Câncer de mama: entenda como a doença atinge mais gravemente as mulheres negras
Pesquisa indica que a sobrevida de mulheres pretas em casos de câncer de mama é até 10% menor. Saiba por que isso acontece.
Por iG Delas | - Nicoly Bastos |
O mês de outubro é dedicado à conscientização acerca do câncer de mama. Durante todo o mês ocorrem diversas ações para divulgar a importência darealização dos exames de rotina e o autoexame. Quanto mais cedo a doença for diagnosticada, maiores são as chances de cura.
Dados do INCA (Instituto Nacional de Câncer) apontam que o tumor é a causa mais frequente de morte por câncer em mulheres. Contudo ele pode ser ainda mais grave para as mulheres negras, umas vez que elas possuem menos acesso às ações do plano de controle do câncer de mama no país.
Segundo pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFMG, a sobrevida de mulheres pretas em casos de câncer de mama é até 10% menor do que entre mulheres brancas. "O câncer de mama afeta diferentemente as mulheres segundo a cor da pele", pontua Lívia Lovato Pires, autora da pesquisa.
A ginecologista e obstetra Larissa Mariano explica que mulheres pretas estão entre a parcela que mais dependem do sistema público de saúde e muitas vezes não possuem facilidades para realizar o exame. "Muitas vezes temos o preconceito institucional que trata mulheres negras de maneira diferente, não facilita o acesso, e em alguns casos hostiliza a mulher a ponto de deixá-la sem vontade para procurar atendimento", afirma.
Ela diz que o problema também está muito relacionado com o racismo que ainda enfrentam em ambiente médico. "No consultório, o tratamento é totalmente individual e depende de cada profissional. Infelizmente o racismo ocorre neste ambiente, muitas vezes sutilmente. No momento da consulta a paciente nem percebe ou quando percebe torna-se muito difícil questionar", diz a médica.
Dificuldades de acesso ao tratamento
Priscila de Jesus, estudante de licenciatura em Geografia pelo IFBA (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia), tem 22 anos e foi diagnosticada com o câncer de mama aos 20. "Eu estava tirando a roupa para tomar banho e senti um carocinho. Fiquei meio perdida".
Priscila conta que acabou tendo um diagnóstico tardio do tumor, depois de 5 meses em que percebeu o caroço. "Quando eu fui fazer ultrassonografia, a médica me disse que não era para eu me preocupar, eles não acreditavam muita na minha palavra", recorda. A jovem também não tinha acesso a plano de saúde e precisou de um tempo para também conseguir resolver esse fator e ser melhor atendida.
Priscila considera que sa falta de representatividade e compartilhamento de historias de mulheres pretas acerca do assunto acaba sendo prejudicial para as mulheres negras, já que elas acabam não conseguindo se enxergar e consequentemente não se atentar aos riscos de desenvolver a doença. "Em campanhas publicitárias, televisivas, e até em buscas do Google, você não vê mulheres negras".
Outro fator que Priscila aponta é em relação a mitos que cercam a saúde de pessoas pretas. "Há uma mentira muito grande e histórica ainda de que preto não sente dor, que não fica doente, que aguenta qualquer coisa. Muitos médicos levam isso até hoje. Ainda há muitas mulheres que chegam em um consultório e os médicos não querem nem tocar nelas para dar diagnóstico de algo".
A ginecologista Larissa Mariano confirma a fala da jovem, e diz que no meio médico essa crença ainda é presente. Isso acaba afetando a conduta de muitos profissionais, que acabam sendo menos atenciosos com as pacientes negras e as deixando mais expostas.
Você viu?
Priscila ainda presenciou mais aspectos racistas durante seu tratamento. Um dos exemplos é quando seu cabelo voltou a crescer. "Meu cabelo estava crescendo e aí a médica soltou um: 'ele está nascendo melhor'?", referindo-se preconceituosamente ao cabelo crespo.
"As vezes o racismo não é abertamente. Mas só de muitas vezes chegar em um clínica e ser a única preta no ambiente, já dá para entender todo um racismo estrutural. Onde é que estão todas as mulheres pretas em hospitais?", diz Priscila.
Maior propensão genética ao câncer
Um outro fator importante de ser destacado é que mulheres pretas podem ter mais propensão genética ao câncer de mama. A partir de pesquisas realizadas entre 2009 e 2011 na Universidade de Buffalo, Estados Unidos, foram identificadas anomalias genéticas no DNA de 106 famílias afrodescendentes. Entre elas, estavam os genes BRCA1 e BRCA2, conhecidos por aumentar a incidência de câncer de mama.
Priscila de Jesus afirma que em sua família não há casos de câncer de mama. A jovem realizou os testes de BRCA1 e BRCA2 que deram negativos, mas afirma que ainda está realizando outros exames para descobrir a real causa de ter desenvolvido o câncer tão jovem. Em geral esse tipo de tumor ocorre em mulheres de mais de 40 anos.
"O proissionais e o restante das pessoas precisam entender que somos todos seres humanos, independente da cor da pele. Essa diferença existente no acesso pode ser difícil mudar, mas com mais representatividade e conhecimento, poderemos reverter essa situação", finaliza Larissa.
Prisicila de Jesus felizmente venceu o câncer e hoje usa as redes sociais para ajudar a promover essa maior conscientização sobre o assunto. Confira algumas publicações.