Ingrid Guimarães: “Mulher de 50 anos transa, goza. Existe vida sexual!”
Kalel Adolfo
Ingrid Guimarães: “Mulher de 50 anos transa, goza. Existe vida sexual!”

Uma mãe na menopausa . É esse um dos papéis mais oferecidos à atriz Ingrid Guimarães nos últimos anos. “Me convidam para muita coisa, mas hoje acham que ‘a minha cara’ é a personagem ‘mãe na menopausa’”, conta. Não que ela não esteja vivendo essas fases — a menopausa chegou em 2020 e a filha, Clara, está prestes a completar 14 anos —, mas não resumem a vida da humorista, de 52 anos.

“Eu até quero falar sobre isso, mas essa é só uma partezinha da minha vida, eu tenho amigos, faço várias coisas. Penso muito sobre esses convites, por isso também invento meus próprios projetos. Mas imagina quem ainda não tem esse lugar?”

Sentada em um café no Shopping Leblon, logo após o ritual diário de exercícios físicos , Ingrid relembrou os desafios de cada etapa de sua carreira, até o mais recente: o etarismo . Não deixou de criticar o universo do humor no Brasil , mas tampouco perdeu o sorriso. Aliás, nada parece capaz de abalar o carisma da atriz — nem o atraso de quase 20 minutos da repórter, perdida em outra cafeteria da mesma franquia.

Só mesmo os percalços do início da menopausa tiraram a paz dela. “Foi horrível. Se você jogar no Google os sintomas, eu tive todos: mau humor, insônia , calor, dificuldade de perder peso”, lembra.

“Mulher de 50 anos, transa, goza”

É essa fase que ela não quer eternizar nas telas como se fosse o único mundo possível de uma mulher com mais de 50 anos. “Não acho que a maneira de lutar contra o etarismo seja só falar sobre menopausa na internet. É também mostrar que a mulher de 50 anos transa, goza. Existe vida sexual ! E você pode se mostrar de biquíni, não é um direito só das menininhas novas, você ainda é uma mulher desejável .”

No filme Minha Irmã e Eu , lançado em dezembro do ano passado, Ingrid viveu a personagem Mirian, e protagonizou uma cena de sexo com um coybow interpretado pelo ator Leandro Lima. A ideia original do filme foi dela e de Tatá Werneck , que faz o papel de Mirelly na trama.

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Décadas atrás, na adolescência, nem mesmo ela acreditaria se dissessem que, aos 50 anos, estaria confortável em mostrar o corpo. A autoestima de quem se achava o “patinho feio” demorou anos para aparecer.

“Sempre fui fora do padrão, muito magra, tive prognatismo, não era boa no balé, nem na escola, nem no piano. Construí minha estima aos poucos, com muita terapia. E o trabalho também me ajudou muito, quanto mais empoderada eu ficava das minhas ideias, mais me sentia interessante.”

Ela escancara essa liberdade e confiança nas fotos de CLAUDIA. Pela segunda vez na capa da revista, só que, agora, com um pedido especial: nada de ternos . “Naquele ano, eu estava no auge dessa coisa de ser dona das minhas coisas, sócia dos meus filmes . Bem empresária, bem CEO da minha vida. Então foi tudo de terno, ficou lindo. Agora eu falei: gente, não quero ser CEO de nada. Tô exausta. Vamos mostrar que uma mulher 50+ pode ser sexy.”

Jovem talento

A família de Ingrid trocou Goiânia, em Goiás, pelo Rio de Janeiro quando ela ainda tinha 13 anos. Com o sonho de ser atriz, a garota começou a fazer aulas de teatro , com todo o apoio da família.

Aos domingos, dia de churrasco na festiva casa dos pais, criava peças, convocava irmãs e amigos, e depois se apresentava para os adultos. “Meu pai foi muito corajoso. As pessoas estavam lá bebendo, comendo e precisavam parar tudo e ver a pecinha da filha dele”, ri.

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Não foi só a família que percebeu cedo aquele talento. Em 1992, recebeu um convite inesperado do ator e diretor Domingos de Oliveira (falecido em 2019): integrar o elenco da peça Confissões de Adolescente. Naquela época, Ingrid frequentava um dos cursos de Domingos, e ele ainda planejava os detalhes e roteiros da peça criada em parceria com a filha Maria Mariana. Pediu à jovem atriz para elaborar um texto sobre drogas. Ingrid escreveu uma história real, quando experimentou maconha pela primeira vez e saiu pela orla carioca, mais distraída do que o normal, com uma toalha amarela na cabeça.

“Ele me falou: eu preciso de humor, não temos comediantes. E me pediu para escrever uma parte da peça sobre drogas. Eu escrevi da toalha amarela e foi um sucesso”, relembra.

“Quando mostrei o texto, ele me disse que eu escrevia muito bem. E me deu um conselho: ‘faça das suas esquetes o seu mundo, continue escrevendo’. E hoje eu falo para minha filha, independentemente de qual profissão escolher, escreva sempre. Escrever é um ato de poder. A caneta é um poder.”

Ingrid Guimarães - Revista CLAUDIA - Setembro 2024
Trench coat e Scarpin, Dolce & Gabbana; Regata, Camys e Hot Pant, Jogê Lorena Dini/CLAUDIA

Machismo no humor

Confissões de Adolescente rodou o Brasil todo e rendeu dinheiro suficiente para que Ingrid comprasse seu primeiro apartamento. Em 1996, entrou para a Oficina de Humor, da Rede Globo , que buscava novos comediantes para um programa do estrelado Chico Anysio . Foi lá que conheceu Heloísa Perissé , a Lolô — com quem fecharia, anos depois, parcerias de sucesso no teatro e na tevê — além da atriz Mônica Martelli .

Mas nem o sucesso no teatro dava a ela — ou a qualquer comediante mulher — papéis de protagonismo na TV. Em 1993, em Mulheres de Areia , interpretou Jurema, uma das empregadas domésticas da protagonista Malu (Vivianne Pasmanter).

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Ingrid Guimarães

Eu falo para minha filha, independentemente de qual profissão escolher, escreva sempre. Escrever é um ato de poder. A caneta é um poder

Quatro anos depois, em Por Amor , foi Tereza, empregada de Sirleia ( Vera Holtz ). Nessa mesma novela, a amiga e comediante Mônica Martelli era a secretária da personagem de Susana Vieira .

Entrevista Ingrid Guimarães - Revista CLAUDIA Setembro 2024
Ingrid afirma que, durante os anos noventa, o protagonismo feminino não era incentivado na indústria do entretenimento. Lorena DIni/CLAUDIA

Mesmo no programa humorístico de Chico Anysio, o Chico Anysio Show , não havia espaço de destaque para elas. “Naquela época, tinha Os Trapalhões , o programa do Jô e o do Chico Anysio. Então nós éramos sempre coadjuvantes. Não era só um programa de homens, era também escrito e dirigido por eles”, diz.

“E nós fazíamos todos os estereótipos: a feia, a amiga doida, a safada. As gostosas não precisavam nem abrir a boca, só desfilar de biquíni. Tínhamos até camarins diferentes: um para elas, sempre de bíquini, e outro para nós comediantes.”

Quando participou do programa Você Decide , ainda na década de 1990, a atriz também viveu um estereótipo: interpretou o papel de piranha. “Aquilo tudo sempre me incomodou muito. Talvez por eu ser de uma família de mulheres fortes, minha mãe era advogada do setor de petróleo. Então até o bordão [do programa de Chico Anysio], o ‘olha ela’, eu não conseguia fazer.”

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Foi um dos convites, dentro desse mesmo padrão, que fez Ingrid dar um basta aos papéis estereotipados. Ela havia recebido o roteiro para um dos quadros de Renato Aragão . A esquete mostraria o ator sonhando com uma mulher gostosa e acordando com uma feia. O papel de bonitona ficaria com a atriz Danielle Winits e o outro para Ingrid. Ela recusou.

“Eu não me identificava com aquele humor, apesar de ser muito fã do Chico Anysio, talvez o maior gênio da história do Brasil. Não era aquilo que eu queria falar. Sempre fui muito autoral, mas não tinha espaço para fazer o que eu queria”, recorda.

Ensaio fotográfico de Ingrid Guimarães para a edição de setembro 2024 da Revista CLAUDIA
Hot Pant, Jogê e Meia calça, Calzedonia Lorena DIni/CLAUDIA
Capa Ingrid Guimarães - Revista CLAUDIA - Setembro 2024
Meia calça; Calzedonia e Scarpin,<br />Dolce & Gabbana Lorena Dini/CLAUDIA

Cócegas: a virada

A amiga Lolô tinha 400 reais no bolso, Ingrid não tinha nada. Mas elas juntaram um pouco mais de investimento de conhecidos e decidiram colocar em cartaz Cócegas , em 2001. A peça era formada por esquetes, escritas por elas mesmas, e retratava, despretensiosamente, histórias de mulheres comuns, como elas.

Foi um estouro. A sala do teatro da faculdade Cândido Mendes, que comportava 130 pessoas, ficou pequena logo no primeiro mês. A fila de espera para comprar um ingresso era de 30 dias — e o espetáculo era apresentado seis vezes por semana. Elas passaram para um espaço maior, com 500 lugares, o Teatro das Artes. A peça ainda ganharia uma versão infantil, o Cosquinha, e ficaria em cartaz por 10 anos.

“Hoje eu vejo a importância do Cócegas, formou uma geração de mulheres, algumas fãs viraram diretora de arte, autoras. Nós éramos duas atrizes desconhecidas que escreviam sobre a mulher contemporânea. Na real, a gente não pensava em nada disso na época. Foi só um movimento natural pela falta de trabalho.”

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Dali para frente, a carreira das duas deslanchou. Com o sucesso da peça, ela e Lolô escreveram e ofereceram para a Globo um novo programa, para ir ao ar depois do Fantástico. Sob Nova Direção estreou em 2004.

De Pernas Pro Ar surge na carreira de Ingrid

Em 2010, grávida de Clara, Ingrid recebeu um convite para realizar mais um sonho: ser protagonista de um longa, De Pernas Pro Ar . A produtora Mariza Leão a convidou para o papel de Alice, uma mulher atribulada com o trabalho e a vida doméstica. Ela não podia aceitar imediatamente, por conta da gravidez , mas pediu à produtora para esperá-la.

“Ela falou que não tinha como esperar. Eu falei: esse é o papel da minha vida. Essa mulher que tenta conciliar o trabalho com a vida pessoal sou eu. Vou arrasar, por favor. Aí ela falou que me esperaria e que eu teria de voltar quando o bebê tivesse quatro meses”, conta.

“Aí volto a dizer sobre a importância de ter uma mulher nesse lugar. Talvez se Mariza fosse um homem ela não teria me esperado. Você acha que um homem faria um trailer para minha filha? No primeiro dia de filmagem, ela apresentou a Clara e disse que eu precisaria parar a cada três horas para amamentar.”

Seria só o primeiro longa de Ingrid. De Pernas Pro Ar teria mais duas continuações. Com todos os outros filmes no currículo, a atriz se consagrou em 2016 a brasileira mais vista no cinema neste século . Hoje, ela soma mais de 23 milhões de espectadores na carreira.

Entrevista Ingrid Guimarães - Revista CLAUDIA Setembro 2024
Vestido, Dolce & Gabbana e Meia calça, Calzedonia Lorena Dini/CLAUDIA

Empresária e dona de si

Em Pernas , a personagem Alice é dona de uma franquia de sex shop. Com o sucesso do filme e da personagem, a atriz começou a receber de presente vários vibradores . Eram tantos que começou dar às amigas de aniversário. Até que a brincadeira virou negócio. Uma empresa de Belo Horizonte, que havia patrocinado todos os vibradores dos filmes, a convidou para criar e lançar um novo produto. Ela virou sócia da A Sós , com o Magic Rabbit, um sugador e estimulador de clitóris que é um sucesso.

Ingrid Guimarães fala sobre De Pernas Pro Ar
Com o sucesso de Pernas, Ingrid se tornou sócia da empresa de sexual wellness A Sós. Lorena Dini/CLAUDIA

“Eu sugeri a língua, para ser algo meio diferenciado. E é bonitinho, ninguém percebe de cara que é um sugador. Eu queria algo assim, palatável, que atingisse mais pessoas. Para mim, a ideia tinha tudo a ver com a minha história, com esse momento de vida de priorizar o prazer”, conta.

E ela, de fato, dedica um espaço importante ao prazer — de todo tipo. Todos os anos, ela e Mônica Martelli fazem uma viagem com as filhas, que têm a mesma idade — e compartilham os momentos mais engraçados em suas redes sociais .

“Vou parar de fazer filme e só gravar coisa pro Instagram ”, brincou depois de receber elogios de uma mulher pelo conteúdo de férias. É só piada, claro. Apaixonada pelo audiovisual, Ingrid Guimarães, dona de si, assinou, há dois anos, um contrato de produtora executiva e criativa com a Amazon Prime Video .

Se era difícil imaginar um feito inédito na carreira dessa mulher, ela conseguiu encontrar um: a apresentação de um reality show, o Match das Estrelas , lançado no final do ano passado. Cabe a nós aguardar para conferir o que mais ela vai inventar e estrear por aí.

Créditos

  • TEXTO CAROL CASTRO
  • FOTO LORENA DINI
  • STYLING THIAGO BIAGI
  • BELEZA RENATA BRAZIL
  • DIREÇÃO DE ARTE KAREEN SAYURI

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