Apesar dos avanços médicos, dilemas pessoais pontuam a busca dos casais inférteis, como Paulo e Esther de “Fina Estampa”, por um filho
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Embora hoje a medicina permita gerar uma criança a partir de um óvulo que não é da mãe e do sêmen que não é do pai, descobrir-se infértil pode ser um baque para qualquer um. Para a psicóloga perinatal Rafaela Schiavo, da Unesp de Bauru, no interior de São Paulo, a cobrança social para um casal ter filhos ainda é muito forte. Quando vem à tona a impossibilidade de se tornar pais naturalmente, é muito difícil aceitá-la. “Esta dificuldade pode até levar à depressão. Muitas vezes o casal se sente incompetente por não conseguir engravidar da forma natural”.
Na vida real, para Laís*
e Jorge*
, de 39 e 43 anos, o banco de esperma será pela segunda vez um dos aliados para a realização do sonho da paternidade. Dois anos atrás o casal estava decidido a ter um filho, mas descobriu que Jorge era estéril – assim como o personagem de Dan Stulbach na novela. Decidiram-se pela adoção, mas desanimaram diante da burocracia. Foi quando uma amiga de Jorge falou sobre o tratamento de reprodução assistida que estava fazendo e o casal descobriu que o próprio sonho ainda poderia ser realizado: a fertilização in vitro, chamada de FIV pelas mulheres que tentam, não era tão cara quanto eles imaginavam.
Ele diz tirar de letra o dilema dos homens inférteis que tanto atormenta Paulo, o personagem de “Fina Estampa”. Mas, de acordo com o filósofo e psicanalista Arthur Meucci, autor de “A Vida que Vale a Pena Ser Vivida” (Editora Vozes), a infertilidade masculina nem sempre é vista com tranquilidade. “Dar um filho para uma mulher é visto como sinal de virilidade”, diz. O homem, portanto, pode se sentir diminuído e esta sensação se reflete no relacionamento. “Quanto mais o problema for ignorado, pior. O homem pode ficar com a autoestima lá embaixo e sentir ciúmes da mulher, já que se vê como incapaz”, afirma.
A psicóloga perinatal Rafaela Schiavo concorda: a relação da infertilidade com a virilidade é comum na cabeça dos homens, mas eles devem aprender a separá-las. Segundo ela, em geral eles costumam aceitar melhor os fatos depois de elaborar o “luto” pelo filho biológico. “Afinal, ele percebe que vai ser pai. A única diferença é que não será biológico”.
De acordo com a psicóloga Vera Iaconelli, coordenadora do Instituto Gerar de Psicologia Perinatal, em São Paulo, o que torna o homem pai é reconhecer o filho. “Quando os homens descobrem que não basta inseminar uma mulher, que o filho terá que ser reconhecido como tal acima de tudo, pode ficar mais fácil lidar com o ‘fantasma’ do sêmen de um desconhecido”, diz. O que faz a paternidade, afinal, não é o esperma.
A culpa é delas
Lidar com o problema da infertilidade não é mais fácil para as mulheres. Segundo a psicóloga Rafaela Schiavo, quando um casal tem dificuldades para engravidar, na maioria das vezes se presume que a culpa é da mulher. Para Vera Iaconelli, socialmente falando, é comum a mulher se sentir mais culpada sobre a infertilidade do que o homem. Mas hoje um procedimento como o da fertilização in vitro é mais reconhecido e, quanto mais aceito é, mais os pais podem se sentir preparados para enfrentá-lo. “Existe uma gama imensa de procedimentos, então o desafio é mais social mesmo”, diz Vera. Não é somente a gestação da criança ou como ela ocorre – natural, com óvulos doados ou barriga de aluguel – que faz de uma mulher uma mãe.
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A saída para aliviar as pressões é o diálogo. A situação, de acordo com Meucci, pode mexer com questões emocionais muito profundas. Não reveladas, elas acabam gerando brigas e comportamentos fora do padrão. Se tanto o homem como a mulher perderem o constrangimento de falar sobre o que estão realmente sentindo, o casal fica fortalecido para enfrentar a situação, pois compartilharam as fragilidades.
Para evitar mais pressões sociais, a maioria dos casais prefere não compartilhar a notícia do tratamento e das técnicas às quais serão submetidos. Laís e Jorge só contaram para os pais dela. “Ninguém de fora precisa saber”, diz ela. Jorge decidiu não contar nem para as irmãs. “Já que quem vai criar somos eu e ela, não faz a menor diferença de onde virá o bebê”, conta. O medo de como os conhecidos podem tratar a criança mais tarde também contou pontos na decisão pelo silêncio. "Vai que eu falo para alguém que não gosta do ocorrido e tratam mal o meu filho? É desnecessário. O importante mesmo é saberem que nós somos os pais”.
Apesar das dificuldades emocionais, para o psicanalista Arthur Meucci, a maioria dos dilemas vividos pelo casal são desfeitos por completo depois do nascimento da criança. Os pais se abrem rapidamente para o novo elemento em suas vidas, adaptando-se à esperada realidade de ter um bebê. “As fantasias e inseguranças acabam sendo deixadas de lado e tudo começa a entrar nos eixos”, finaliza.
* Nomes fictícios a pedido dos entrevistados
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