Mães de adolescentes falam sobre a retomada das aulas presenciais
Cinco mães de adolescentes das redes pública e privada falam sobre como estão lidando com a possível volta às aulas ainda em 2020
Por iG Delas | (Fhoutine Marie) |
Na última sexta (18) o Ministério da Saúde publicou em seu site um guia contendo orientações para o retorno das aulas presenciais na educação básica . O documento de 16 páginas dispõe sobre a sanitização do ambiente escolar, uso correto de máscaras, entre outras medidas para prevenir o contágio. Nos estados da federação, a retomada do ensino presenciais não chegou a um consenso.
Com os números de casos e óbitos da Covid-19 ainda em patamares altos, a decisão de volta ou não às escolas acaba recaindo sobre as famílias, sobre tudo para as mães, que costumam ser as principais (muitas vezes as únicas) responsáveis pela educação de crianças e adolescentes. Veja a seguir o que pensam essas mães sobre a retomada do ensino presencial e como elas e seus filhos estão lidando com a situação atual.
"O que ele mais sente falta é de praticar esportes"
A professora Denise Lugli vive a tensão sobre a retomada das aulas de dois lados. Mãe de Vinícius, 13 anos, e Marina, dois meses, ela conta escola em que trabalha suspendeu as aulas no dia 12 de março, poucos dias antes do colégio em que o filho estuda. Agora as duas instituições discutem com os pais dos alunos a possibilidade de volta às aulas.
“Os pais vão poder escolher, mas isso é preocupante pra mim, que sou professora, porque eu não tenho opção caso decidam voltar. Eu tenho percebido que meus alunos estão ávidos por voltar, porque não aguentam mais ficar em casa”, conta.
Ela diz Vinícius não estranhou muito a suspensão das aulas, por fazer parte de uma geração que está habituada a se comunicar pelas mídias digitais. “No geral, o que eu percebo que ele mais sente falta - e ele deixa isso muito claro pra gente - é de estar em contato com os amigos. Principalmente das aulas de esportes, essa coisa de poder jogar volei, jogar bola, correr”.
Ela conta que o colégio está retomando as aulas de esportes em horário alternativo ao das aula. “É um número reduzido de alunos para fazer um teste pra quem quiser voltar. Ele quer voltar. Então por mais que eu esteja com medo, dependendo de como for eu vou autorizar que ele faça essa aula de esporte uma vez por semana. Mas a aula mesmo, sentar na carteira, ele não volta. Mesmo que a escola volte, vai ter a opção de ter aula on-line e a gente vai manter isso. Enquanto não tiver vacina ele não volta”.
Excesso de tarefas para compensar pouco engajamento dos alunos
Para a escritora Clara Averbuck, mãe de Catarina (17), a maior dificuldade em relação ao ensino remoto é conseguir chamar a atenção dos adolescentes e que as escolas tentam contornar isso com excesso de trabalhos. "Nessas aulas remotas eles (os adolescentes) não conseguem prestar muita atenção e parece que a escola tenta compensar com trabalhos".
Em isolamento desde o começo da pandemia, a escritora conta que o confinamento agravou carga mental dela e de outras mães solo, que se viram obrigadas a lidar com mais tarefas domésticas. “Comida, roupa, louça, é muita coisa. Adolescente tem que ficar no pé, tem que ficar pedindo e a carga mental disso é enorme e muitas vezes eu prefiro fazer do que ficar pedindo”, desabafa.
A escritora diz que a filha, aluna de um colégio particular em São Paulo, não deve voltar pra escola este ano, já que existe a opção de continuar o ensino remoto. Contudo, ela acredita que este é um ano perdido. “Os professores tem se esforçado muito para dar aulas interessantes, mas com adolescente é complicado eles prestarem atenção, imagine em casa com outras distrações. A parte de tirar dúvidas e contato com o professor fica prejudicado”, avalia.
"Ele queria fazer o Enem esse ano e eu não deixei"
A dificuldade de conquistar a atenção dos alunos dessa faixa etária, ainda mais quando os professores não tinham um treinamento específico para o ensino à distância é uma constatação recorrrente na fala de várias mães.
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“No começo da pandemia as aulas on-line foram bem promissoras, eles estavam animados porque era uma coisa diferente. Quando começaram efetivamente as aulas eu senti que eles se perderam um pouco, na questão de conteúdo e de gerar coisas interessantes que prendessem os adolescentes”, diz a publicitária Lílian Nascimento.
Mãe de Nicolas (17), aluno do último ano de uma escola técnica no interior de São Paulo, Lílian diz que fez um acordo de confiança com o filho para que ele acompanhasse as aulas. "Eu não sou de cobrar, deixo ele bem livre, até porque eu sou mãe solo e falo pra ele: você tem que ter responsabilidade sobre as suas coisas, porque na sua idade eu já tinha filho, então você decide agora o que é importante para a sua vida".
Apesar disso, a volta às aulas presenciais está fora de questão. “Na minha cidade (no interior de SP) está cancelado o ‘coronga’ e ninguém está mais isolado. A cidade inteira está na rua, sem máscara, como se nada tivesse acontecendo”. Ela diz que ele provavelmente fará o terceiro ano de novo. “Ele queria fazer o Enem este ano e eu também não deixei. Vai atrasar um ano na vida dele, mas eu não tenho a menor dúvida de que esta é a melhor decisão”, conclui.
Situação complicada nas escolas públicas
Se os alunos da rede privada têm aulas diárias e as famílias encontram canais de comunicação efetivos com as escolas para decidir sobre a volta das aulas presenciais, a situação da escola pública é bem distinta. Segundo Eliane Chagas, professora de uma escola da rede municipal do ABC paulista, não existe uma gestão democrática nas escolas públicas que incentive a interação entre escola e comunidade.
“A gente tem regularmente uma professora que nos mantém informadas enquanto família das propostas da disciplina dela e outras que eu não faço ideia do que o Caetano tem que fazer na disciplina delas”.
Mãe de Caetano (12 anos), a professora conta fala que houve muitas dificuldades técnicas para que os docentes se adaptassem ao ensino remoto. "A plataforma oficial do Estado não estava dando certo e que as escolas aderiram ao Google Classroom, onde quem indica o conteúdo é a professora da disciplina". Ela diz que entrou em contato com propostas para a melhoria das atividades, mas não obteve nenhuma resposta.
Ela conta que Caetano acorda tarde e assiste a uma aula por dia. “Ele reconhece que está se atrasando em várias propostas, mas optou ficar atrasado por ter tarefas demais”. Assim como outras mulheres entrevistas pelo Delas , Eliane também achou este seria um ano perdido, mas chegou à conclusão de que a tendência é que esse sistema de educação formal piore e que não compensa mante-lo nele mais de um ano.
“Ele tem um processo forte de autodidatismo, fala inglês fluentemente, aprendeu por ele mesmo. Nos como família achamos que é melhor ele sair logo desse processo”.
Chips e atividades impressas em papel
Além da falta de diálogo com a escola, outro problema apontado pelas mães de adolescentes que frequentam a rede pública é a falta de suporte para acessar as aulas on-line, conforme explica Érika Mayume, que preside o conselho de escolas municipais e é mãe de Ana (14) e Guilherme (11), alunos do 8º e 5º ano.
“Só depois de quatro meses que as escolas municipais de Campinas passaram a adotar algo similar à rede estadual, que é entregar atividades impressas para os alunos que não conseguiam acessar as aulas. Algumas escolas fizeram por conta própria, mas como diretriz municipal é algo recente”.
Segundo Érika, a prefeitura da cidade no começo da pandemia falou em distribuição de tablets para todos os alunos, mas o que ocorreu foi a distribuição de chips para aparelho celular, sem equipamentos. Ela acrescenta que em algumas áreas periféricas da cidade não há sinal de Internet e por isso nem todos os alunos conseguem assistir às aulas. "Os professores não ficam ao vivo no horário. Algumas escolas fazem bate-papo, não é aula", conta.
Érika conta que participou pelo movimento pelo não retorno e pelo cancelamento do ano letivo de 2020 praticamente desde que começou a pandemia, mas diz que hoje é difícil se posicionar contra a retomada das aulas presenciais, já que as regiões mais pobres da cidade as famílias não estão fazendo isolamento e muitas vezes há maes desempregadas cuidando de seis a dez crianças cujas mães trabalham. “Eu não tenho como ser contra o retorno. Para os mais precarizados é necessário".