Mãe não é professora e castigo não funciona na hora de aula, diz pedagoga

Mães e filhos desabafam sobre os prós e contras das aulas em casa diante a pandemia: "ano perdido"

Durante o período de aulas em casa, mães, pais e responsáveis podem se perguntar qual a melhor maneira de auxiliar as crianças durante o período de aulas em casa . Em alguns estados, essa rotina se tornou realidade nos últimos meses por conta das medidas restritivas de combate à Covid-19, que, entre as primeiras ações, interromperam as atividades em escolas.

Da esquerda para a direita: Giovana, 21, Giulia, 10, e Ana Laura, 5, filhas da secretária Iara Pereira, 40
Foto: Arquivo pessoal
Da esquerda para a direita: Giovana, 21, Giulia, 10, e Ana Laura, 5, filhas da secretária Iara Pereira, 40


Entre os relatos das mães escutadas pelo iG Delas , estão o cansaço, a falta de paciência e o medo de as crianças estarem vivendo um ano perdido, já que elas sentem que não conseguem ensinar da mesma forma que a professora.

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Conversamos também com a pedagoga Taís Bento, do projeto SOS Educação. Ela diz que o momento é crítico, mas que mães precisam pensar apenas em ser mãe, que o castigo  não é incentivador e que manter a saúde mental das crianças e dos adultos é mais importante que pensar nesse tal "ano perdido"

Os desafios para as mães e algumas soluções 

A secretária executiva Iara Pereira, 40, está desde o dia 16 de março em isolamento social. Foi quando a empresa permitiu que ela trabalhasse em regime home office. Iara está confinada com as duas filhas pequenas, Giulia, 10, e Ana Laura, 5, que estão tendo aulas on-line devido ao novo coronavírus. Com mais tempo em casa, Iara se viu em meio a uma nova rotina: balancear o horário de trabalho com a rotina de estudos das filhas.

A missão é desafiadora para ela, principalmente quando é hora de ajudar nas lições de casa. “Eu não sou pedagoga, eu não sou professora. Eu sou mãe. Não tenho técnica para passar como a professora tem”, explica.

A comissária de bordo Liliam Reis, 41, compartilha do sentimento quando precisa estudar com Lavínia, sua filha de 6 anos. O principal conflito para ela é não transmitir a “autoridade” da professora em sala de aula. “Ela acha que eu não sei as coisas, que não tô por dentro. Não acha que eu tenho esse tipo de conhecimento”, desabafa.

Lavínia está em fase de alfabetização. Para Liliam, ensinar a junção de uma sílaba com a outra a deixa aflita. “A professora tem três, quatro maneiras de explicar, já eu não”, explica. Confessa que frequentemente é vencida pelo cansaço, e o aprendizado só vai para frente quando elas podem fazer consultas com a professora.

Para Shirlene Pereira, 34, a rotina é estressante. Ela é mãe de Carlos Eduardo, 15, Larissa, 12, e Ian, 7. Com o início das medidas de isolamento social, a empresa em que trabalhava teve cortes e precisou rescindir seu contrato.

Mesmo assim, Shirlene sente que precisa se desdobrar para dar conta das tarefas de casa, das crianças e da rotina de estudos . “Me sinto um pouco sobrecarregada. Eu já tenho esse negócio do ‘se não fizer vai ficar de castigo’ que a professora não tem”, explica. “Você sabe que tem que separar, que não pode ser mãe ali. Mas ao mesmo tempo não tem como”, continua.

Segundo a pedagoga Taís, essa junção de papéis não existe. “As mães precisam relaxar em relação a achar que precisam assumir o papel de professora. Quando se virem nesse desafio significa que estão entrando em um papel que não precisam”, explica. “O papel de ensinar ainda é da escola e dos professores durante as aulas em casa.”

Taís alerta ainda que os castigos não são eficazes para o ensino da criança. Muitas vezes, o comportamento vicioso de “tirar a paciência” é calculado pelo próprio filho. Ela explica que se os pais dão atenção aos filhos quando fazem algo errado e não reconhecem o que fazem corretamente, a criança associa que com o errado consegue chamar atenção. “O correto não pode ser recebido como ‘não fez mais do que obrigação’. Reconhecer o que os filhos fazem certo pode ajudar no desempenho das atividades.”


Iara explica que o momento mais difícil dos estudos com a filha mais nova é fazer com que ela pare em frente ao computador. Ana Laura continua acordando às 7h da manhã, mas só começa a entrar no ritmo às 8h30; e é aí que começam os pedidos para ir ao banheiro, pegar os brinquedos ou pegar algo na geladeira.

“Tento explicar que esse tempo é como se ela estivesse na escola, e na escola ela não vai na geladeira toda hora ou pegar o brinquedo toda hora”, diz.

Liliam afirma que o tempo de Lavínia não tem sido muito produtivo. “Ela não associa aprendizado a estar em casa”, explica.

A inquietação, no entanto, é um sinal de que a criança está ansiosa. Mesmo que os filhos consigam processar mudanças melhor que os pais, o novo ritmo e a privação da rotina própria da criança , como ir à escola e ver os amiguinhos, também é impactante.

Taís aconselha que os pais estabeleçam tempos de pausas pequenas para que as crianças voltem a focar. “O cérebro perde energia e fica difícil focar depois de um tempo, e isso vale até para nós, adultos. Os pais podem colocar um timer de 25 minutos. Ao fim do tempo, o filho usa cinco minutos para beber uma água, fazer um movimento… Assim ele recebe energia e oxigênio para focar de novo e por mais tempo”, sugere a pedagoga.

A inquietação também pode indicar que a rotina do filho precisa de adaptações. Dessa forma, a própria criança cria autonomia sobre suas funções e horários. Seis pontos sugeridos pela SOS Educação são:

  1. Hora de ir para a cama:  precisa acontecer antes da hora de dormir, para que a criança relaxe;
  2. Divisão de responsabilidades domésticas:  verifique, de acordo com a faixa etária da criança, no que ela pode ajudar na casa;
  3. Hora de brincar:  é importante para que a criança libere as energias e se mantenha mais tranquila;
  4. Tempo de leitura:  não precisa acontecer todos os dias, mas a sugestão é que ao menos duas vezes por semana a família deixe as telas de lado para ler. Caso a criança não seja alfabetizada, um adulto pode ler para ela;
  5. Hora de estudar:  o momento de focar nas atividades escolares e no aprendizado;
  6. Hora de praticar atividades físicas :  adapte o espaço da maneira que conseguir para que as crianças possam se manter em movimento.


Uso de plataformas on-line

Não são só os pais que estão passando por maus bocados durante o calendário de ensino da pandemia. As aulas on-line têm tornado o processo de aprendizado mais difícil para quem está do outro lado da tela.

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O desafio aumenta para alunos do ensino público. Carlos Eduardo (filho de Shirlene), 15, e Julia, 11, estão usando o aplicativo do Centro de Mídias de Educação de São Paulo (CMSP), desenvolvido pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e que não precisa de conexão com a internet para funcionar.

A plataforma exibe aulas ao vivo com um professor e disponibiliza um chat de mensagens para dúvidas. “É tipo uma live do Youtube”, explica Carlos, que cursa o 1º ano do Ensino Médio.

Julia, que cursa o 6º ano do Ensino Fundamental, utiliza a mesma plataforma e reclama: “Para mim não está sendo bom porque tem muitas pessoas assistindo na mesma hora, e eu não consigo tirar minhas dúvidas”. O número de alunos por sessão varia de 20 mil a 70 mil. 

Os professores da escola em que ela estuda estão fazendo plantão de dúvidas na plataforma Google Classroom. Assim, Julia só consegue fazer perguntas sobre o conteúdo horas após o fim das aulas programadas pela Secretaria de Educação.

Por outro lado, os professores de Carlos não implementaram o plantão. “Como o chat tem muitas pessoas, tenho que buscar [o conteúdo] por conta própria, jogar no Google”, explica.

Já os professores da escola de Larissa, irmã de Carlos, estão mantendo o conteúdo no Google Classroom apenas com alunos que estudam presencialmente com ela. Assim, o ambiente on-line fica organizado da mesma maneira que seria presencialmente. “O professor posta as atividades, a gente faz, tira foto e manda para correção”, explica.

No início do ano letivo, Larissa entrou em uma nova escola e não recebeu as apostilas de exercícios, que são usados no ensino à distância. “A prefeitura ficou de mandar para as casas das pessoas, mas a dela ainda não chegou. Não consigo falar com ninguém na escola para verificar se tem como buscar, se o endereço está correto”, explica a mãe Shirlene.

“Perdi bastante conteúdo. Vou ter muita coisa para fazer quando voltar”, desabafa Larissa.

Julia diz que as aulas em casa têm seus prós e contras. “É bom porque eu não fico parada, mas não está muito bom. Porque não é igual a uma aula presencial”. Carlos diz que prefere que as aulas sejam presenciais. “Eu não consigo entender muito bem a matéria”, justifica.

Ano perdido

Ana Laura e Lavínia, as filhas de Iara e Liliam, estão em uma das fases mais importantes dos estudos infantis: a alfabetização. Mesmo ensinando a ligar uma letra na outra, Iara sente que o impacto será imenso em seu aprendizado. “A gente está subindo uma escada pulando um degrau que faz diferença lá na frente”, diz.

Liliam acredita que Lavínia não está aprendendo da mesma maneira que aprenderia na escola. Durante a quarentena, a pequena precisou fazer um trabalho sobre o pintor holandês Vincent Van Gogh. Enquanto a mãe pesquisava e ensinava, percebeu que a filha continuava perguntando as mesmas coisas. “Não sei se ela está absorvendo o que foi passado”, diz com preocupação.

Os filhos de Shirlene, que estão matriculados no ensino público, não têm matéria nova desde que as aulas em casa começaram. Na opinião dela, a otimização on-line foi uma boa ideia, mas o sistema não foi desenvolvido de maneira eficaz. “Ano que vem devia compensar este, infelizmente”, diz. “Para mim, é um ano perdido”.

Mensalidade

Foto: Arquivo pessoal
A filha de Liliam, Lavínia, 6, está em processo de alfabetização

Um dos tópicos que tem tomado os grupos de Facebook diz respeito às mensalidades das escolas particulares. Alguns relatos afirmam que o valor foi reduzido de 25% a 50%, mas não é um caso generalizado. 

Mesmo que a criança não disponha do espaço ou de materiais providos pela escola, algumas mães afirmam que o valor da mensalidade continua o mesmo . “Estou pagando integralmente. O colégio se propôs a fazer redução, mas isso deve ser acertado só lá na frente”, diz Iara.

Em um grupo, uma mãe relata que cogita retirar o filho de 2 anos da escola, já que o estudo nessa faixa etária ainda não é obrigatório. Outra afirma que as aulas on-line “não funcionam para crianças” e “é mais barata”.

Uma terceira diz ainda que chegou a contatar a direção da escola. “Acredito, sim, que ela [a diretora do colégio] precisa honrar com o salário dos funcionários, porém não está pagando as contas de água, luz, produtos de limpeza como era antes. Esse desconto precisa ser repassado”, afirmou.

Volta às aulas presenciais

A rotina com os filhos estudando em casa é cansativa, afirma Shirlene. Mas a decisão é de que ninguém volta para a escola tão cedo. “Mesmo que decidam que pode, eu só quero que voltem quando estiver seguro”, diz.

No Facebook, mães compartilham da mesma opinião. “Aqui são três e decidimos que só voltam quando existir a cura”, publicou uma. “O meu ainda não está em idade escolar, mas se estivesse também não mandaria”, disse outra.

Iara também tem medo de mandar Ana Laura para a escola, principalmente porque a pequena não consegue ficar o tempo todo com a máscara no rosto. “Se a escola me der uma data não sei se vou mandar. Aprender on-line não é o ideal, mas aqui em casa ela está mais segura”, explica.

No entanto, essa não é a realidade de todas as mães. Nos comentários de uma postagem sobre volta às aulas, uma mulher afirmou que, por ser professora, o filho precisará voltar assim que for chamada a retomar a jornada de trabalho presencial. “Não tenho com quem deixá-lo”, escreveu.

“Não parei de trabalhar na quarentena e meu filho está cada dia em um lugar de favor, com quem pode ficar com ele. Eu infelizmente dependo de deixar ele na escola”, afirmou mais uma.

Outra afirma que, caso as escolas abram em breve, acredita que a instituição de ensino “tomará os devidos cuidados”. “O estado ou a escola não querem sofrer ação judicial”, justificou.