“Descobri o TDAH [Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade] aos 24 anos. Fui uma criança, adolescente e jovem adulta muito imaginativa, com milhares de devaneios, que conseguia passar horas e horas desligada do mundo externo, uma vez que a minha concentração se voltava totalmente aos meus sonhos acordada. Para quem estava de fora, eu era simplesmente uma garota de boca aberta, olhando para a parede por horas a fio.
Eu também não conseguia me concentrar no que as pessoas me diziam mesmo olhando no olho delas e concordando. Não entendia muitas coisas que eram comuns para os outros. Eu era mais lenta. Minha mente parecia ‘lerda’, como muitos me chamavam.
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No entanto, eu tinha ‘bombas de agitação’ quando tentava me concentrar. Era como se eu tivesse tomado baldes de energético e o efeito tivesse ‘batido’. Deixava as pessoas falando sozinhas e saía correndo. Precisava mover alguma parte do corpo para me concentrar.
Sentia que tinha muitas diferenças em relação às pessoas que não são neurodivergentes. Me sentia aérea o tempo todo, como se minha cabeça estivesse embaralhada. Também acreditava que eu não fazia parte, que era menos inteligente e incapaz de participar das atividades.
Na adolescência, cheguei a desenvolver um tic nervoso no pescoço por tentar disfarçar os sintomas e ficar muito ansiosa. As pessoas achavam que eu tinha muitos problemas de respiração – e eu também –, mas depois descobri que não era só isso: existia a ansiedade de tentar me concentrar por vergonha dos sintomas serem notados.
Depois eu passei a viver de cabeça baixa. Falava baixo, evitava ser vista a todo momento. Sabe quando você tem certeza de saber uma resposta que o professor pergunta? Eu jamais levantaria a mão. Hoje sei que é algo comum de adolescentes com TDAH tentarem ficar invisíveis.
Recebi muitos apelidos, me imitavam e sofri um bullying muito pesado. Sempre fui a última a sair de provas e não entendia coisas muito simples. Mesmo as brincadeiras ou as regras em atividades precisavam ser explicadas mil vezes para mim. Tive traumas de realizar vestibular e tinha medo de ter responsabilidades, pois achava que eu destruiria tudo.
A característica do TDAH que mais me acompanhou foi sonhar acordada a todo momento. Andando na rua, olhando para o nada, dentro do ônibus, na academia… em qualquer lugar.
A outra é me sentir aérea quando é preciso me concentrar, responder perguntas simples ou pensar rápido. Sinto tudo embaralhar e a respiração pesar. Inclusive isso me levou a perder muito dinheiro e objetos importantes saindo de lugares enquanto eu olhava para esses itens! Isso sempre foi assustador. Sinto que cancelo planejamentos simples.
Sem saber o que estava acontecendo, eu me autodepreciava. Dizia que era lerda, lenta, tonta e ‘lesada’. Era completamente frustrada. Me fechei no meu mundo e acreditava que não era digna de fazer parte ou de agir como os outros adolescentes.
‘Assim que a profissional me entregou o diagnóstico, senti um peso sair das costas’
Eu soube já na adolescência que existia um transtorno de déficit de atenção, mas tinha muito medo de não ser isso, de receber nenhum diagnóstico e, por isso, me considerar apenas ‘lesada’.
Com 18 anos eu fui a uma psicóloga e ela me encaminhou a uma fonoaudióloga que testou a velocidade do meu raciocínio. Ela disse que eu era muito atrasada para a minha idade. Fiz 10 sessões com alguns testes e parei. Após seis anos eu resolvi fazer terapia de novo. Com muitos testes da psicóloga e do psiquiatra.
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Assim que a profissional me entregou o diagnóstico, senti um peso sair das costas, as lágrimas nos olhos e sorri. Muita gente não entende, mas eu pude entender que o que eu tenho é comum e que existem métodos para melhorar. Não sou eu a desajustada. Estava tudo bem. Por isso eu digo que comemorei o meu diagnóstico e muitas pessoas não entendem, mas ele tirou esse peso de mim, ele me deu pertencimento.
Olhei para ela e agradeci por cuidar de mim e me trazer essa descoberta. Eu estava muito grata, muito feliz mesmo. Samira, minha psicóloga, teve muito cuidado e sensibilidade em me dizer que os testes apontaram os pontos de atenção muito prejudicados, mas eu nem me importei. Na hora eu disse que encontraríamos formas de melhorar. A partir dali, daquela hipótese que eu entregaria dias depois à psiquiatra, minha vida mudou.
Ter o diagnóstico foi muito importante. Pude entender cada característica minha e abraçá-las. Hoje busco melhorá-las, mas não as condeno mais. Fazem parte de mim e vou solucionar os obstáculos. Atualmente, faço acompanhamento com terapia e psiquiatra. ainda não tomo remédios, mas logo irei requisitar que a doutora analise uma medicação para TDAH.
‘O TDAH ainda me atrapalha, mas essa sou eu’
Com toda certeza tive muitos obstáculos que foram trazidos pela agitação e desatenção que o transtorno me causam, mas também tive muitos pontos positivos.
Eu sofri muito bullying e me escondi do mundo. Olhava para baixo o tempo todo com medo de me verem e falava bem baixinho até o segundo ano do ensino médio. Me sentia muito culpada em ser quem eu sou e entrava em pânico muitas vezes. Mas nem penso nisso mais.
Hoje, tenho em mente que tudo que passei me ensinou uma lição muito importante de vida, muito enriquecedora que só o tempo é capaz de elucidar, sabe? Eu sou uma adulta muito alegre, confiante, cheia de amigos que riem junto comigo das trapalhadas – e mesmo quando lembro da adolescência, vejo o copo meio cheio.
Passei dificuldades, mas vivi vários mundos lúdicos e incríveis em minha mente. Vi o mundo de um jeito diferente e fui mais empática porque sabia como era se sentir menor.
Não sinto mais vergonha quando os sintomas são notados. Foco na minha evolução e me sinto parte de um todo, não me desloco mais por medo de ser analisada. Quando me perguntam e questionam como posso ser tão dispersa, digo naturalmente que tenho déficit de atenção e que está tudo bem.
É claro que não estou romantizando o TDAH de jeito nenhum. Essa é a minha experiência extremamente privilegiada. Eu acredito que passei esses momentos difíceis para ser capaz não apenas de escutar, mas de ouvir; não somente de ver, mas enxergar; não apenas interpretar, mas entender.
O TDAH ainda me atrapalha. Ainda me faz andar desatenta, procrastinar, me distrair com tudo, viver sonhos acordados, perder objetos valiosos e dinheiro, olhar para o que tenho que fazer e me esquecer várias vezes em poucos minutos. Mas essa sou eu. Não posso me condenar. Procuro olhar para o que aprendi e pensar: ‘O que eu faço sobre isso?’
Gostaria que as pessoas soubessem que é preciso ter empatia. É preciso entender que algumas pessoas têm mais ou menos dificuldades ou precisam de mais ou menos tempo. Somos diferentes, mas não somos anormais. Temos capacidade das mesmas coisas, só vamos aprendê-las ou executá-las com um pouco mais de métodos para focar, mas nem sempre vão funcionar.
Quero dizer para quem acredita ter o transtorno que, se tem condições de buscar o tratamento e o diagnóstico, vá atrás. É um alívio gigante e nós precisamos de acompanhamento para uma vida mais leve.”