O luto é um processo particular, singular e público

Seja para famosos – como Cissa Guimarães – ou para anônimos, o enlutamento mistura dor, tristeza, saudade. E nem sempre há consolo

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Cissa beija o filho Rafael em passeio pela praia

A atriz Cissa Guimarães anunciou, no começo desta semana, que voltará aos palcos com a peça “Doidas e Santas” daqui a dois finais de semana, no sábado 5. A decisão da atriz espantou muitas pessoas, já que a morte de seu filho mais novo, Rafael Mascarenhas, ainda não completou duas semanas. Além do espanto, a ação da atriz trouxe um questionamento: será que o luto tem um tempo pré-determinado?

“De acordo com a literatura específica, o trabalho de luto gira em torno de um a dois anos”, diz a psicóloga e coordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto (LELu), da PUC-SP, Maria Helena Franco. Tradutora do livro “Luto” (Editora Summus) , de Colin Murray Parkes, ela ainda explica que é esse o tempo que a maioria das pessoas leva para lidar com a ausência do ente falecido.

Professora de cursos de Tanatologia (ciência da vida e da morte) na Faculdade de Medicina da USP, Lucélia Paiva afirma que o primeiro ano é o mais difícil de enfrentar: “São vários primeiros momentos sem a pessoa do seu lado”. Maria Helena diferencia a volta ao trabalho do processo de luto. Em alguns casos, o trabalho é uma forma que a pessoa encontra de “honrar a morte”. “Ela trabalha para não se render à inércia, e não justificar o fracasso em nome da morte do outro”, define.

A psicóloga Gláucia Rezende Tavares perdeu a filha de 18 anos em um acidente de trânsito, em Belo Horizonte, em 1998. Junto ao marido, médico pediatra, fundou a Rede de Apoio a Perdas Irreparáveis (Rede API) e organizou um livro com o que aprendeu do difícil processo de perder um filho – tido como a maior dor que se pode viver. A autora de “Do Luto à Luta” (Editora Casa de Minas) acredita que é preciso ter cuidado para o trabalho não funcionar como uma fuga. “Como forma de voltar à sua vida normal, a pessoa pode se envolver tão profundamente no seu trabalho que acaba por adiar o tempo do luto”, diz ela.

Lucélia Paiva ressalta que, mesmo que a pessoa se apegue ao trabalho, não quer dizer que ela não esteja sofrendo. “Cada um demonstra a dor a seu modo. Retomar a sua vida não significa, necessariamente, que a pessoa já tenha superado”.

Experiência pública e privada

Foto: AgNews
Cissa chora durante a cerimônia de cremação de Rafael: dor e assédio da mídia

Como Rafael Mascarenhas morreu devido um atropelamento, Cissa Guimarães e seus familiares ainda terão que passar por um processo de inquérito policial enquanto lidam com o luto. Nesse caso, o luto passa por dois tempos diferentes. “Um tempo é o próprio das pessoas, o outro é do processo da justiça”, distingue Glaucia. “Infelizmente, um nunca está junto do outro. A pessoa fica envolvida durante mais tempo”.

“Quando a morte chega para um filho da gente, não temos nada a fazer. É um sentimento de impotência muito grande, pode gerar um sentimento de fracasso, por isso, às vezes, lutar pela justiça em caso de violência é uma forma de achar forças e reparar este fracasso”, afirma.

Por ser uma pessoa conhecida, Cissa ainda passa pelo assédio da imprensa enquanto atravessa a fase do luto. Lucélia acredita que essa relação só complique o enlutamento de Cissa, já que ela tem que se mostrar forte para pessoas que ela nem conhece. Mas mesmo para uma pessoa não conhecida o processo de luto é público e particular. “O luto é sempre uma experiência publica e privada. É público porque não se vive seu luto sozinho, você vive num contexto sociocultural, a sua cultura dita a maneira com que verá o luto. E privado porque é uma experiência de cada um, singular”, atesta Glaucia.

Um ponto é unânime: o luto precisa ser respeitado. As pessoas precisam ter seu espaço e nem sempre as palavras servem para consolar. “O que eu diria para a Cissa? Sinta-se abraçada. Acho que o que ela precisa nesse momento é de um acolhimento”, recomenda Lucélia Paiva.

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