Agorafobia: o transtorno que inspirou o filme “A Mulher na Janela”

Filme estrelado por Amy Adams traz personagem que sofre de agorafobia; pacientes contam como é conviver com o transtorno

Filme 'A Mulher na Janela' estreia hoje (14) na Netflix, explora as nuances da agorafobia; entenda como o transtorno funciona
Foto: Divulgação/Netflix
Filme 'A Mulher na Janela' estreia hoje (14) na Netflix, explora as nuances da agorafobia; entenda como o transtorno funciona











Nesta sexta-feira (14), a Netflix lançou o filme de terror psicológico “A Mulher na Janela”, estrelado por Amy Adams que explora a agorafobia, um dos traços do  transtorno de ansiedade , que segundo dados Organização Mundial da Saúde (OMS), atinge 9,3% dos brasileiros.

De acordo com a psicóloga Melina Cury, da operadora de saúde Care Plus, entre os sintomas de agorafobia são respiração ofegante, náusea, diarréia, desmaios, preocupação intensa e até mesmo medo de morrer. A estudante Jaiane Dias, 19, define a agorafobia como "uma inquilina indesejada". Ela conta que já sofria com crises de ansiedade e ataques de pânico antes da pandemia, mas desde então sente que os sintomas se tornaram recorrentes e mais graves.

“A agorafobia veio como um ‘brinde’, uma ‘sequela’ das minhas crises, porque sempre tenho medo de que elas aconteçam de novo”, diz a estudante, que foi diagnosticada pelo psiquiatra com ansiedade generalizada, ataques de pânico e depressão. 


Apesar de um diagnóstico ligeiramente diferente, o transtorno está presente na rotina da engenheira ambientale doutoranda, Tainá Teixeira, 28. Em 2015, ela descobriu que sofria de ansiedade e depressão, com um leve grau de agorafobia e fobia social. Tainá explica que os  transtornos mentais intensificaram seu medo de permanecer em locais muito abertos ou no meio de multidões.

Sempre que precisa sair de casa ela se prepara para enfrentar as dores no peito, falta de ar, tremores e a sensação de que não está segura. “Eu fico tensa. Aperto as unhas contra a palma das mãos e me machuco involuntariamente. Quando saio com meu marido, eu seguro no braço ou na roupa dele com força”, afirma.

Além dos tremores nas mãos, Jaiane sente vertigem durante suas crises. “Minha mente vira um campo minado. Aparecem várias imagens e situações na minha cabeça, fica difícil separar a realidade da imaginação”, diz. O medo persiste mesmo que a crise não aconteça.

“Começo a recriar minha última crise e me perguntar: ‘O que devo fazer se vomitar? Quem vai me ajudar? O que vai acontecer?’”. Só de pensar nesses tantos cenários, a única coisa que Jaiane consegue fazer é ficar dentro de seu quarto, onde se sente segura.

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Cury explica que essas sensações são experimentadas em situações normais do cotidiano, como usar o transporte público, entrar em uma fila ou caminhar pelo shopping. “Com o tempo, o paciente começa a evitar esses lugares ou situações, se isolando cada vez mais. Deixam de ir ao trabalho, fazer compras e visitar amigos, por exemplo. Assim, a vida pessoal, familiar, afetiva e profissional ficam gravemente prejudicadas”, afirma a psicóloga.

A profissional acrescenta que, em casos muito severos, o paciente não consegue mais sair de dentro de casa. Em alguns deles, existe o risco de abuso de drogas, medicamentos e bebidas alcoólicas para conseguir amenizar o grau de ansiedade.

Cotidiano

A agorafobia causou desgaste emocional e dependência em Jaiane. “É algo incômodo porque preciso muito das outras pessoas para fazer atividades simples e rotineiras. Isso traz um sentimento de incapacidade, insuficiência e a sensação de que sou um fardo”, explica.

Apesar de saber que não tem controle sobre os medos causados pelas crises, Tainá já consegue identificar que as sensações são irracionais. No entanto, a insegurança é muito presente. “Acho que o maior incômodo está em nem sempre eu conseguir aproveitar os momentos e sempre depender de alguém para me sentir segura”, afirma.

A doutoranda se lembra de quando trabalhava na rua e precisava encostar o carro para esperar uma crise de ansiedade se amenizar. Estava sozinha na maioria das vezes. “Me via totalmente exposta e sem controle sobre meu corpo e minhas emoções. Tenho medo das crises na rua até hoje”, diz.

Por ser bolsista, ela consegue fazer seu trabalho todo de casa. Sua única obrigação na rua é levar sua cadela, Frida, para passear três vezes ao dia. Outros afazeres, como compras e consultas médicas, são feitas com o auxílio do marido. “Caso eu esteja em um dia ruim ele faz as compras sozinho ou me acompanha nas consultas. Ele entende que não é preguiça da minha parte”, diz.

Agorafobia na pandemia

Se a agorafobia já é uma condição assustadora em tempos normais, pode ser ainda mais amedrontador em um momento de medo generalizado. É o caso da pandemia. Segundo Cury, os casos de ansiedade e agorafobia aumentaram durante a pandemia .

De acordo com a pesquisa “ConVid Comportamentos”, organizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), 40% dos brasileiros passaram a sentir sintomas depressivos, como tristeza e depressão, e 52% sentiram sintomas de ansiedade.

Cury explica que a ansiedade relacionada ao medo da contaminação é comum. Isto porque o medo é um recurso de proteção emitido pelo cérebro para proteger o indivíduo do perigo. No entanto, essa ansiedade, somada ao  isolamento social e as incertezas sobre quando esse cenário vai embora, enfraquecem as habilidades sociais.

No caso de pessoas com agorafobia, a tendência é que se isolem ainda mais. Tainá passou dois anos fazendo tratamento psicológico e psiquiátrico e recebeu alta em 2017, mas precisou voltar a fazer acompanhamento em março de 2020. Na época, ela estava em São Paulo e seu voo para Maceió, onde mora, foi cancelado por conta da pandemia. 

“O início da pandemia foi o estopim para voltar para a medicação”, diz. Sair de casa voltou a ser um grande obstáculo. “Algumas pessoas, principalmente as que já sofriam com o transtorno de ansiedade ou agorafobia, podem desenvolver mais medo e menos capacidade de enfrentar o dia a dia. Mesmo depois que a pandemia acabar, viveremos muito tempo com as consequências em saúde mental dessa fase de privações e sofrimento”, diz Cury.

Tratamentos

Cury afirma que é preciso buscar apoio psicológico ou psiquiátrico assim que os sintomas de agorafobia começarem a se manifestar. “Sem intervenção breve, a ansiedade pode aumentar e os sintomas evoluem de forma que a pessoa ficará mais limitada em suas tarefas diárias”, afirma Cury.

A psicóloga explica que o tratamento pode ser feito com psicoterapia cognitivo comportamental, profissionais especializados em transtornos de ansiedade e, quando necessário, uso acompanhado de medicações. “Também faz parte do tratamento a exposição gradual e segura dessas situações que a pessoa evita. Alguns psicólogos trabalham com a realidade virtual, que é um ótimo recurso para o treinamento de enfrentamento e retorno da vida normal”, acrescenta.

O apoio por parte de amigos e familiares ajuda o paciente a perceber que está em segurança. “Para quem tem o transtorno o medo é real. Quem está do lado precisa ter paciência na hora de uma crise, falar com tom de voz calmo e amoroso, mas firme”, afirma. Fazer  exercícios de respiração com a pessoa durante uma crise de agorafobia também é uma tática importante, pois diminui os níveis de ansiedade.

Além do tratamento com profissionais, Tainá acredita que se autoconhecer é importante para conseguir lidar com possíveis crises. Dessa forma, ela consegue entender táticas para conseguir se acalmar sozinha. "Uso ferramentas que tenho ao meu alcance, como andar com um livro, porque ler ajuda a acalmar minha mente, e manter fones de ouvido na bolsa para ouvir músicas e podcasts”, afirma.

A ansiedade tende a consumi-la quando passa muito tempo parada. “É quando eu começo a fazer coisas involuntariamente, como apertar as unhas contra a pele, mordeu o lábio ou me arranhar”, diz. Quando começa a sentir isso dentro de casa, ela para o que está fazendo e assiste um episódio de alguma série.

Para conseguir cumprir com suas tarefas diárias, Jaiane prepara uma escala de atividades sociais e observa o que é ou não viável para ela. “Organizo baseado em como estou me sentindo durante a semana e nos exercícios propostos por minha psicóloga. Reconheço meus limites e até onde estou disposta a tentar”, explica.

“Agora que estou ciente dos meus demônios internos, tenho que aprender a viver com eles e superá-los, por mais cansativo que seja. Estou aprendendo táticas para superá-los e não ser refém de mim mesma”, diz.