Ativistas criticam mudanças na realização de aborto legal em vítimas de estupro
Portaria do Ministério da Saúde editada ontem prevê mudanças na interrupção da gestação decorrente de estupro, procedimento permitido por lei
Por iG Delas | Luiza Lemos |
O Ministro da Saúde Eduardo Pazuello assinou a medida publicou a edição da portaria que obriga médicos e profissionais da saúde a notificarem a polícia ao atender mulheres vítimas de estupro que procurem uma unidade de saúde para realizar um aborto. A interrupção da gravidez é legal no Brasil nos casos em que é decorrente de violência sexual.
"O aborto inseguro é uma das principais causas de mortalidade materna no Brasil, sabemos que as principais vítimas são mulheres negras, com menos de catorze anos e moradoras de periferia. Fazer o aborto ser crime no Brasil faz com que elas procurem métodos inseguros e que arriscam a vida destas mulheres", aponta Mariana Varella, editora-chefe do Portal Drauzio Varella.
A última atualização do caso aponta que o Supremo Tribunal Federal retirou a pauta processo sobre o aborto legal para rever as regras sobre o aborto legal por conta da edição da portaria. Contudo, a medida está sendo questionada por alguns partidos, como o PSOL.
"O partido entrou com uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) no STF, que evita e elimina a portaria, por ferir a constituição e um direito universal", diz Luka Franca, ativista feminista e ex-coordenadora das mulheres do PSOL.
Para Varella é importante barrar a mudança na portaria para impedir que as mulheres violentadas sofram ainda mais. "Este serviço de aborto legal funciona no SUS e não importa o partido que esteja encabeçando isso, é essencial barrar. Não há motivo para mexer neste programa, que justifique isto. Nem gasto, nem nada. Isso fará com que mulheres sejam submetidas a mais violências", diz Mariana.
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No texto, Pazuello indica que os médicos devem fazer um ultrassom do feto antes que a mulher vítima de estupro realizasse o aborto legal. Para Luka, isso pode ser considerado tortura. "É um processo de revitimizar a mulher ou menina que sofreu abuso sexual. Eu colocaria como tortura psicológica, inclusive. Os profissionais devem estar ali pra acolher e realizar o procedimento de acordo com a decisão da mulher ou do tutor da criança", diz.
Mariana acrescenta que esse tipo de tortura psicológica é um jeito de fazer a vítima, que está extremamente vulnerável naquela situação, desistir do abortamento. "Isso realmente é uma violência psicológica e nenhuma mulher merece isso", afirma.
Profissionais deverão denunciar, independente da vontade da vítima
Na mesma portaria, Pazuello retirou a obrigatoriedade da mulher depor à polícia. Porém, o texto estabelece que os profissionais de saúde devem notificar a polícia quando forem procurados para a realização do procedimento, independente da vontade da vítima.
Luka considera que garantir o bem estar da mulher é necessário. "Obrigar uma vítima a prestar depoimento antes do procedimento de aborto legal é mais uma vez revitimizá-la, é fazê-la passar por tortura psicológica e culpabilizá-la do estupro e do aborto", diz Luka.
Para Mariana, esta obrigatoriedade pode afastar a mulher dos serviços de saúde. "Por conta deste medo de denunciar, a mulher normalmente vai no hospital e sabe que vai ter o princípio de confidencialidade do médico, já que o princípio não permite que o médico conte isso, deixando as mulheres mais seguras. Se elas souberem que essa história pode ser contada para a polícia, elas vão deixar de procurar os serviços de saúde. É uma forma de controlar o corpo da mulher, de submeter a mulher a outras violências", aponta Mariana.
Ela ainda aponta que há riscos de haver maiores retrocessos no aborto legal no Brasil. "Desestabilizando o serviço, deixando que não confiem nele faz com que as pessoas, o público, suma. Quando o governo mexe no serviço deste jeito há um grande risco de ter um retrocesso. E a opinião do Governo Federal mostra que este é o objetivo, a Ministra Damares é uma que sempre foi contrária ao aborto por exemplo. Vemos que a vida da mulher não importa para quem chega à presidência da República", afirma.