Mulheres gamers falam de machismo: "Muitas meninas querem desistir"

O faturamento da indústria de eSports é bilionário, mas este universo ainda é predominantemente masculino

Se antes os jogos eletrônicos eram coisa de criança, esse tipo de entretenimento se tornou cada vez mais profissional, compondo um nicho de mercado de competições conhecido como eSports.  

Uma das pessoas que viu nesse cenário um mercado em potencial foi Fernanda Lobão, cofundadora e CEO da Final Level, uma plataforma de conteúdo gamer lançada em agosto de 2018 e que se tornou o ponto de encontro dos fãs de jogos eletrônicos no Brasil. 

Segundo Fernanda, só em 2020, o faturamento dos jogos eletrônicos foi de 160 bilhões de dólares, sendo que os lucros superam os setores de música e cinema juntos. Apesar de ser uma área predominante masculina, a CEO conta que nunca questionaram sua capacidade para comandar um projeto tão grande voltado para o eSports.

Mulheres relatam o machismo que sofrem dentro do eSports
Foto: Shayene Mazzoti/ Portal IG
Mulheres relatam o machismo que sofrem dentro do eSports



“Apesar do meu ambiente ter muito sócios masculinos, eu sempre fui muito encorajada e tive muita autonomia, meu time executivo é bem misto. Isso se estende aos nossos influenciadores parceiros da Final Level, temos muitas mulheres e meninas fantásticas dentro do nosso coletivo de gamers”, comenta a CEO.

Contudo, para jogadoras como a estudante de publicidade Milena Tammy, 21 anos, a realidade é um pouco diferente. Ela é apaixonada por League of Legends, um jogo online que coloca os jogadores em equipes com um único objetivo: destruir a base inimiga. A futura publicitária conta que começou em 2012 jogando despretensiosamente com seus amigos e relata que, na época, não tinha ideia de como o ambiente poderia ser machista.

“Eu não ligava muito pra isso (machismo) ou, na verdade, não entendia. Eu fui crescendo e fui entendendo o que acontecia. Hoje eu acho que os caras têm menos medo de falar porque eles estão atrás de um computador e ninguém vai ver”, comenta a estudante.



Segundo Milena, situações machistas seguem desestimulando a inserção de meninas nos eSports.

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“Quando uma menina joga, geralmente acham que ela vai ser suporte, ou senão os caras começam a ficar cantando a menina. Não tem um jogo tranquilo, ou o cara xinga, ou ele vê que é uma mulher e dá em cima ou não acha que ela é qualificada para jogar. Eu não quero ser tratada diferente por ser mulher”, critica Milena.

Milena conta que chega a chorar de raiva algumas vezes durante a partida. “Tudo colabora para uma visão machista do que realmente é. Em um esporte normal, realmente os homens podem ter mais força que as mulheres, mas no LOL, é uma pessoa atrás do computador que precisa de raciocínio e uma mão para jogar. Eu não sei por que os homens fazem isso, só atrapalha as mulheres de fazerem o que elas gostam”, desabafa.

A experiência que a deixou mais chocada faz pouco tempo. Ela estava jogando solo, quando um dos jogadores começou a xingá-la e falar coisas racistas, deixando-a muito assustada.

“Eu não gosto de falar no jogo, mas naquela hora eu falei e ele começou a rir muito e dizer ‘tinha que ser mulher’. Aí outro cara começou a escrever no jogo ‘Você é mulher mesmo? Se você for mulher e não for negra, me passa seu número que eu quero te comer agora’. Eu não consegui gravar o que ele falou, eu entrei em choque”, conta Milena.

Muitas meninas pensam em desistir

Carolina Salgueiro Gannun, mais conhecida Carolzinha SG, de 25 anos, começou a jogar quando tinha 14 anos. Sua grande paixão é o jogo de tiro online Counter Strike. Tanto que hoje, em dia, Carolzinha faz streams das suas partidas para seus mais de um milhão de seguidores em suas redes sociais.


“Eu comecei como youtuber em 2012 e faz uns três anos que eu passei a fazer stream. É maravilhoso porque eu tenho contato com gente do mundo todo, diversos idiomas, é muito bacana ver o jogo unindo países e linguagens”, observa Carolzinha.

Por estar há tanto tempo no meio do eSports, Carolzinha perdeu as contas de quantas vezes sofreu com atitudes machistas dentro do jogo. “No começo foi bem difícil, eu ficava abalada e triste. Agora eu aprendi a ignorar ou responder a pessoa de forma educada para tentar conscientizá-la. Às vezes a pessoa é machista por falta de informação, aí eu desconstruo ela com calma. Ao invés de criar um inimigo, eu acabo criando uma pessoa que gosta do meu trabalho, não só pela minha aparência ou algo do tipo”, acrescenta.

Além disso, a youtuber ressalta que a maioria das críticas que ela sofre não são pela maneira que ela joga, mas sim pelo simples fato de ser mulher. “O machismo enraizado que tem em jogos de tiro é algo que me incomoda bastante. Você tem contato com as piores frases do mundo, eu não sei qual me incomodou mais, eu só mudei a forma de lidar com o tempo”.

Sabendo de sua importância dentro do eSports, Carol nunca pensou em desistir de jogar, mas conta que várias outras mulheres gamers pensam em desistir por conta do machismo no meio. “Muitas meninas vêm falar comigo que querem desistir, é muito triste ver essa situação, mas eu sempre dou o apoio para elas. A pessoa que te critica pelo simples fato de você ser uma mulher no jogo deve ser muito infeliz na vida. Você tem noção de que vai ser difícil, mas você é capaz”, encerra a streamer.