Em novembro de 2017, Marília Biscuola foi diagnosticada com  câncer de mama grau I. Após cirurgia para a retirada do tumor, que tinha menos de um centímetro, e sessões de radioterapia, a advogada estava curada e achou que a doença não seria mais uma preocupação. Em março de 2020, ao ser aprovada para o cargo de oficial de promotoria do Ministério Público de SP, foi surpreendia quando recebeu a notícia de que não poderia assumir a função devido ao câncer – o Manual de Perícia Oficial em Saúde do Servidor Público Federal indica que nos primeiros cinco anos após o diagnóstico o servidor é considerado “portador dessa enfermidade” e inapto ao cargo.

Marília Biscuola, 33 anos, é advogada e foi diagnosticada com câncer em 2017, mas já está curada
Arquivo pessoal
Marília Biscuola, 33 anos, é advogada e foi diagnosticada com câncer em 2017, mas já está curada

“Saber isso doeu mais do que receber o diagnóstico”, fala Marília em entrevista ao Delas. Ela lembra que, mesmo em tratamento, continuou atuando como advogada. “Segui trabalhando para ocupar a cabeça e não pensar na doença”. Na época, Marília também se dedicou a estudar para o concurso público.

Quando foi aprovada e nomeada ao cargo, se surpreendeu ao ser considerada inapta pela perícia médica por possuir “situação que pode se agravar com o desenvolvimento das atribuições”. Marília diz que apresentou o laudo médico de sua oncologista à perícia, comprovando que estava curada e apta para trabalhar, mas não adiantou. “Não olharam meus exames e ignoraram meus médicos”, fala. Segundo a advogada, ela não foi examinada na perícia, apenas a encaminharam conforme o Manual de Perícia.

Marília explica que, embora tenha passado por uma cirurgia e sessões de radioterapia, não foi necessário recorrer à quimioterapia e, hoje, já curada, só faz acompanhamento médico com consultas e exames de rotina para garantir que continuará bem e saudável.

“Tudo o que você mais quer depois de um diagnóstico é retomar a sua vida. Você não quer que o câncer te defina e tem ainda mais vontade de viver. Você quer retomar ao máximo a normalidade, mas aí escuta que não serve para trabalhar. Eu chorei por dias”, diz Marília ao lembrar de quando recebeu a notícia de que não era considerada apta para assumir o cargo.

“O que mata é deixar uma pessoa sem trabalhar. O Estado te abandona”, declara. Marília fala que, de acordo com o manual, o servidor só pode assumir o cargo cinco anos após o diagnóstico. Para ela, as regras precisam ser revistas e readequadas à realidade dos servidores. Por isso, decidiu tornar o caso público e entrar com uma ação para que a situação fosse revista.

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Luta pelo direito de trabalhar

Nessa jornada para conseguir assumir o cargo, Marília se aliou a um grupo de 16 ONGs que organizaram um abaixo-assinado online contra a discriminação da mulher com câncer. A documento exige “às autoridades competentes, a reversão desse caso, para que se reconheça a sua capacidade, considerando-a apta ao cargo que lhe é de direito”.

Além disso, reforçam: “Não aceitamos velhas normas e manuais. Que seja restabelecida a justiça e cumprida a Constituição.” Até o momento, mais de 1,6 mil pessoas assinaram e se juntaram ao movimento.

“Quando as primeiras ONGs começaram a divulgar, recebi mensagens de parabéns pela coragem, mas eu não entendia. Só depois de receber relatos de pessoas que não contam nem para a família que têm câncer – por medo da discriminação – que eu comecei a entender”, fala.

Marília diz que já recebeu mensagens de mulheres de vários estados relatando que estão passando pela mesma situação que ela. “Ao mesmo tempo que eu fico feliz de saber que não estou sozinha, fico triste e espero que o meu caso não desencoraje as pessoas de prestar um concurso. Quero que as pessoas criem coragem e, juntos, a gente brigue para mudar essa legislação”.

O caso de Marília está avançando. Ela conta que já conseguiu uma liminar para assumir o cargo, mas segue com o processo, uma vez que a decisão não é definitiva e ainda pode ser revertida pelo Estado.

A reportagem contatou o Ministério Público do Estado de São Paulo para um posicionamento sobre o caso. Como resposta, o órgão informa que "a candidata será nomeada assim que a pandemia da Covid-19 refluir”.

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