'Busca por anorexia nas redes sociais pode ser destrutivo', diz Miss Inglaterra
Modelo conta como a “glamourização” do transtorno fez com que tivesse pensamentos suicidas e como sua vida mudou com a morte de uma amiga
Por iG Delas |
Em apoio às declarações recentes do Secretário de Saúde da Inglaterra, Matt Hacock, sobre punir empresas que não removerem conteúdos gráficos das redes sociais que colaborem para instigar transtornos mentais e suicídios de jovens, a Miss Inglaterra, Alisha Cowie, falou sobre como o contato com imagens que “glamourizavam” a anorexia quase fizeram com que ela tirasse a própria vida.
Leia também: Jovem que chegou a pesar 30kg se torna inspiração na luta contra a anorexia
Hoje com 19 anos, Alisha conta que passou a sofrer com a doença aos 11 e chegou a pesar apenas 38 quilos aos 13. “Para garotas jovens como eu, ir às redes sociais em busca de ajuda para algo como anorexia pode ser completamente destrutivo", desabafa.
"Essas imagens precisam estar completamente bloqueadas. Não há absolutamente nenhuma razão para elas estarem lá. Elas não ajudam ninguém. Elas só estragam vidas”, afirma a modelo ao jornal britânico Sunday Mirror .
Os problemas de Alisha começaram quando ela tinha apenas cinco anos e se recusou a comer porque a creche que frequentava havia chamado sua atenção por conta de seu peso. Desde então, ela continuou sofrendo quando as pessoas apontavam, de forma pejorativa, o fato de ela não se encaixar nos padrões de magreza tidos como “aceitáveis”.
“A primeira lembrança que tenho é de ter cerca de nove anos, estar no sexto ano e ser chamada de gorda o tempo todo. Por causa do meu sobrenome eles costumavam me chamar de ‘vaca’ [cow, em inglês]”, conta.
"No começo, não deixei que isso me incomodasse, pois sabia que não era gorda, mas à medida que você fica mais velho, fica mais difícil gostar de si mesma", diz a modelo, que, movida pela maneira ofensiva que era tratada, decidiu começar uma dieta aos 11 anos. Na época, ela ficava contando as calorias e pesando os alimentos antes de comer. A mudança de hábito acabou se tornando algo obsessivo e logo saiu de controle.
Aos 13 anos, Alisha estava consumindo apenas 300 calorias por dia, sobrevivendo com uma fatia de torrada e uma maçã. Ela tentava esconder a situação da mãe, colocando o jantar no lixo ou dizendo que não estava com fome.
A jovem admite que quando sentia vontade de comer algum doce, como chocolate, ela chegava a mastigar o alimento, mas, em seguida, cuspia. Além disso, ela costumava fazer cerca de 100 agachamentos por noite e ficava subindo e descendo escadas até sentir que iria desmaiar.
Ao notar o emagrecimento da filha, a mãe de Alisha, Amy May, de 38 anos, ficou preocupada e a levou a um médico que a encaminhou para aconselhamento psicológico.
No entanto, o bullying na escola piorou. As pessoas começaram a atacar por estar magra demais. Segundo a modelo, isso fez com que ela se sentisse como uma "aberração da natureza". Os alunos chamavam seu nome e jogavam objetos, incluindo pedras, na jovem enquanto ela descia a rua do colégio.
Como as redes sociais colaboraram para a anorexia e pensamentos suicidas
Além de toda a pressão social que sofria no ambiente escolar, a Miss Inglaterra conta que foi o dano mental causado pela internet que mais a afetou. Ela se lembra que começou a procurar por sites que tratavam a anorexia como algo bonito e acabou encontrando centenas de fotos de meninas magras que descreveriam o que comiam e que exercícios faziam para conseguirem o "corpo dos sonhos”.
Então, ela começou a ver postagens auto-prejudiciais, de meninas que causavam danos à própria saúde para obter um corpo magro, e a se interessar pelo assunto. “As publicações usavam uma linguagem realmente poética e tudo era feito para parecer muito bonito. Era como se a auto-agressão e a anorexia estivessem sendo glamourizadas”, conta.
Você viu?
“Eu tinha apenas 13 anos, não sabia nada sobre automutilação ou suicídio . Mas então eu fui bombardeada com todas essas informações no Instagram e isso fez com que eu me sentisse como se tivesse que fazer aquilo também.”
Alisha conta que uma semana depois de se deparar com imagens de auto-agressão, começou a fazer o mesmo. “É uma loucura o que as crianças e jovens estão sendo expostas no Instagram”, acrescenta.
"Naquela época, eu não sabia que estava doente. Então, quando você vê esse tipo de coisa nas redes sociais, não percebe que são erradas”, fala, lembrando que o contato com fotos que incentivam meninas a ficarem doentes pode ser um gatilho para comportamentos depressivos e de autosabotagem.
A modelo admite que chegou a cortar os braços e pernas - principalmente nas pernas, para que ninguém pudesse ver. “Foi então que os pensamentos suicidas começaram a surgir”, conta.
"Poderia ter sido eu"
No entanto, um fato trágico na adolescência marcou a britânica, fazendo com que ela se afastasse do comportamento autodestrutivo.
Pouco antes de completar 14 anos, ela fez amizade com Sarah Clerkson, uma garota nova em sua escola. As duas logo viraram melhores amigas e estavam se dando muito bem, mas, apenas oito meses depois, Sarah foi encontrada morta na casa dos pais.
O ocorrido fez com que Alisha desmoronasse. Muito abalada, ela precisou de tratamento psicológico por alguns meses. Apesar do desfecho trágico, a miss conta que lidar com a morte da amiga acabou salvando-a de sua própria destruição.
“Isso mudou tudo dentro de mim. Eu me tornei determinada a viver a vida por nós duas”, conta. "Eu não tenho me auto-mutilado desde então. Comecei a comer corretamente e me sentir muito melhor depois que passei a cuidar de mim mesa ”.
Aos 15 anos, Alisha se juntou a uma agência de modelos e em dois anos foi coroada Miss Newcastle. Em 2018, ela venceu o Miss Inglaterra e passou para as finais do Miss Mundo, onde prestou um tributo emocionante a Sarah.
Quando questionada sobre se pudesse jantar com alguém vivo ou morto, quem seria, ela respondeu que seria com Sarah, porque nunca teve a chance de se despedir e queria dizer o quanto sua amizade significava para ela.
“Eu sinto que ela sacrificou sua vida pela minha. Se ela não tivesse morrido, acho que poderia ter sido eu. Isso me deu o choque de realidade que eu precisava. Eu pensei em tirar minha própria vida, mas a morte de Sarah me fez perceber que essa não era uma opção”, afirma.
"Eu senti tanta dor perdendo ela que pensei que não poderia fazer isso com minha família. Aprendi a me amar incondicionalmente - nunca fui mais feliz”, declara.
Leia também: Após pesar 28 kg, jovem conta como comer chocolate a ajudou a vencer a anorexia
Atualmente Alisha precisou trancar o curso forense de investigação criminal na Teesside University para realizar seus deveres como Miss Inglaterra e se dedica à carreira de modelo. "Se contar a minha história de anorexia ajudar uma outra adolescente que está lutando como eu estava, então terá valido a pena", finaliza.