"Sair das redes sociais me trouxe à vida real", diz jovem há 3 anos desconectada
Após retorno da cantora Selena Gomez ao mundo virtual, a discussão sobre até que ponto é saudável se manter conectada volta à tona e mulheres relatam como é a experiência longe das ferramentas de interação na internet
Por Marina Teodoro |
A vida perfeita exposta na internet é uma farsa. Ou pelo menos a impressão de perfeição que ela causa é. No entanto, a ideia de que todos estão sempre felizes e vivendo situações incríveis a partir das fotos e vídeos compartilhados em troca de “likes” pode afetar - e muito - a saúde mental de quem está do outro lado da tela. Nesta semana, uma publicação da cantora Selena Gomez - que decidiu sair das redes sociais por quatro meses - voltou a alimentar o debate sobre o tema.
Desconectada desde 23 de setembro de 2018, ela voltou ao Instagram na segunda-feira (14) para mandar uma mensagem de “feliz Ano Novo” aos fãs. A decisão de se afastar
das redes sociais aconteceu pouco antes de correr a notícia sobre uma possível internação da cantora em uma clínica psiquiátrica, depois de sofrer dois “surtos emocionais” em um intervalo de duas semanas, de acordo com o site TMZ
.
Como legenda das três fotos compartilhadas pela celebridade em seu retorno à web, Selena não deixa claro o motivo pelo qual se afastou da internet, mas mandou um recado sobre sua nova fase e como ela está “orgulhosa da pessoa que está se tornando”.
“Já tem algum tempo desde que vocês viram eu me manifestar, mas eu queria desejar a todos vocês um feliz Ano Novo e agradecer a cada um de vocês pelo amor e apoio. No ano passado, eu definitivamente estava em um ano de autorreflexão, desafios e crescimento. Esses desafios sempre mostram quem você é e o que você é capaz de superar. Acredite em mim, não é fácil, mas estou orgulhosa da pessoa que estou me tornando e estou ansiosa pelo ano que vem pela frente. Amo vocês”, escreveu.
No ano passado, ao anunciar que daria um tempo das redes, Selena Gomez aproveitou a última publicação para lembrar que “comentários negativos podem ferir os sentimentos de qualquer pessoa”. A frase reforça ainda mais a hipótese de que a jovem não estaria bem e que o contato com as redes sociais poderia estar afetando ainda mais seu estado de saúde - já fragilizada desde que passou por um transplante de rim por causa do lúpus, em 2017.
Vício pode causar ansiedade e depressão
O impacto negativo que a interação online pode gerar no indivíduo é coisa séria e já pode ser definido como uma síndrome, conforme explica o psicólogo e doutor em neurociência do comportamento Yuri Busin, diretor do Centro de Atenção à Saúde Mental - Equilíbrio (CASME). “O vício em redes sociais pode esconder problemas emocionais graves, tais como depressão, ansiedade e FoMo, da sigla em inglês para Fear of Missing Out (ou “Medo de Ficar de Fora”, na tradução)”.
Diagnosticada com a condição, a publicitária Cecília Martins Alcantra, 29 anos, conta como o acesso à intimidade das pessoas na internet a deixava mal. “Eu ficava me comparando com elas o tempo todo. No Instagram parece que todo mundo é feliz, está em todas as festas e eventos legais, é bonito e não tem nenhuma conta para pagar ou problema na cabeça. Como minha vida não era assim, então eu ficava extremamente abalada emocionalmente e não estava me dando conta que era por causa do que eu via nas redes sociais”, conta.
Busin destaca que muitas pessoas nem desconfiam que estão sofrendo pelo contato com a internet e ressalta que a falsa imagem de que todos possuem vidas incríveis, felizes e centenas de amigos muitas vezes causa um impacto extremamente nocivo para as vítimas da depressão, fazendo-as sentir que somente a vida delas não é maravilhosa, o que agrava muito o quadro da condição.
Outro problema é a ansiedade. “A ansiedade é uma doença real, considerada por muitos psicólogos, o mal do século. Checar as suas redes sociais com uma constância muito acima do normal pode ser um sinal de ansiedade, além de poder contribuir com o surgimento da mesma.”
Além disso, a opinião das pessoas via web passou a se tornar extremamente importante para Cecília. “Quando eu tinha 25 anos eu tinha um blog. Estava começando a ter um número bom de seguidores, quando decidi apagar [o blog] porque não estava conseguindo lidar com a reação do público”, relata.
A respostas das pessoas às publicações de Cecília passaram a deixá-la ansiosa e deprimida, ainda mais quando o retorno era negativo, o que fez com que ela tivesse uma crise emocional a ponto de deletar suas contas nas redes sociais, incluindo o blog. “As pessoas são muito cruéis na internet. Elas acham que por não estarem mostrando o rosto podem dizer coisas horríveis sobre você, como se não tivesse sentimentos.”
“Sair das redes sociais me trouxe de volta à vida real”
Parece simples pensar que, se a pessoa está com problemas causados pelo uso intensivo da internet, é só deixar de usá-la. Mas na prática não é bem assim. Mais da metade dos brasileiros está ativa nas redes sociais, de acordo com um relatório divulgado pela We are Social em parceria com a Hootsuite
. Isso significa que ficar de fora do mundo online é o mesmo que ficar de fora do que a maioria das pessoas está falando e vivendo no mundo real.
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Além disso, segundo o documento, o Brasil está entre os primeiros países quando o assunto é o tempo gasto nas ferramentas de interação social: são mais de 3 horas diárias gastas nelas, em média.
Mas, para quem algumas pessoas, esse tempo pode ser muito maior “Já cheguei a ficar a manhã toda na cama, sem conseguir levantar para me trocar, tomar café da manhã ou escovar os dentes, só rolando o feed do Facebook e do Instagram, vendo as publicações alheias. Isso estava acabando comigo”, relembra Cecília.
A decisão de se afastar foi tomada em conjunto com um psicólogo, que a jovem procurou quando percebeu que precisava de ajuda profissional. “Sair das redes sociais me trouxe de volta à vida real. Finalmente voltei a aproveitar um encontro com os amigos, jantares em família e festas de verdade. Parei também de me sentir inferior e preocupada com o que os outros pensariam sobre mim, porque não ficava mais me comparando com ninguém”, conta.
Apesar do efeito positivo, a publicitária afirma que o processo de “desapego” foi bastante complicado, mas que perceber sua dependência ajudou a ter forças para continuar fora do mundo virtual. “Eu me senti sozinha e tive crises de ansiedade no começo. Foi difícil, mas aproveitei para refletir o quanto isso estava me consumindo. Foi aí que me convenci de que estava viciada em redes sociais e precisava me cuidar. Hoje, três anos depois, não tenho a mínima vontade de voltar”, revela.
A cozinheira Silvia Santos Faria, 35 anos, entende bem o sentimento de Cecília. Depois de terminar um relacionamento, ela perdia quase a tarde toda vendo fotos e publicações do ex-namorado e dos amigos dele. Além de deixar de ser produtiva no trabalho, sua vida social foi afetada.
“Virou uma espécie de obsessão. Eu estava a ponto de enlouquecer, até que decidi, por conta própria, dar um tempo de tudo”, fala. O afastamento ajudou a superar o fim do namoro e ainda melhorou a autoestima dela, que andava abalada vendo a “vida sem defeitos” que o ex estava levando quando comparava com sua fase deprimida.
“Tive muita dificuldade para me desapegar. Mas aos poucos fui me acostumando. Tirando os memes e eventos que eu ficava um pouco de fora, foi fácil nos últimos meses”, confessa. Silvia ficou oito meses desconectada, e voltou há quatro meses, quando achou que estava pronta para encarar a web de modo saudável.
“Acho que todo mundo deveria fazer uma desintoxicação. Estamos ficando doentes por conta da necessidade de participar de um mundo paralelo. Sem Facebook e Instagram eu continuei saindo, vendo meus amigos, me divertindo e o melhor de tudo: aproveitando cada momento que vivi de coração, sem ficar fotografando ou gravando só para mostrar nas redes como a minha vida é legal. É libertador ter uma vida sem essas preocupações”, afirma.
É possível ter vida saudável e redes sociais?
Casos como o de Silvia e Cecília não são raros, mas são exemplos extremos. Busin explica que não é preciso abandonar os aplicativos sociais para manter uma vida saudável na internet. Segundo ele, é possível escapar desse vício adotando atitudes simples.
“Você não precisa de um celular para ir até a padaria do seu bairro, nem para curtir aquele almoço com a família. Pequenas reflexões e atitudes como essas fazem toda a diferença para se obter uma vida saudável e produtiva. A vida real é sempre melhor e esse contato presencial pode ajudar você a se distrair do trabalho, a trocar experiências e até mesmo a fazer networking profissional.”
O psicólogo ainda afirma que mesmo que você precise ficar conectado, por causa de sua profissão ou para se manter informado, o ideal é ser mais objetivo na hora de fazer isso. “Faça caminhada ou corra por 10 minutos, alongue-se, faça algum esporte rápido, organize a bagunça do quarto… faça algo que não seja na internet, pois esse tempo vai te ajudar a voltar a se concentrar no que precisa ser feito.”
Vale lembrar que as redes sociais são ferramentas e não vidas. Nem tudo aquilo que os outros postam é totalmente real e, em muitas situações, é apenas uma maneira de buscar aprovação do outro, "então se utiliza de verdades parciais para chegar aos objetivos maiores", como explica Busin.
"Abandonar as redes sociais é uma atitude radical. É preciso repensar quais são as suas prioridades e o papel da internet na sua vida", afirma ele. Por isso, tenha calma. Não é preciso sair desistalando os aplicativos do Instagram, Facebook e Twitter: "Sabendo gerenciar a situação, sua vida se tornará mais produtiva e mais feliz", diz o especialista.