Feminismo não existe só um! Conheça e entenda suas vertentes

Feminismo liberal, radical, marxista, negro e ecofeminismo: saiba o que são, de onde surgiram, pelo quê militam e autoras de referência em cada um deles

Ouve-se muito falar sobre o tema, mas  você sabe realmente o que é o feminismo? E, mais, sabia que ele possui diferentes vertentes de luta? O Delas detalha o termo e apresenta algumas de suas principais vertentes, incluindo mulheres referência em cada uma delas.

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Com o passar do tempo, o feminismo, que se originou na Revolução Francesa, foi se ramificando


O feminismo é um movimento político e social que busca a igualdade entre homens e mulheres nos diferentes aspectos da vida: pessoal, profissional, político e assim vai. Essencialmente, o movimento combate o machismo que, por sua vez, é uma série de comportamentos estruturais perpetuados por pessoas, individualmente, e pela sociedade como um todo que inferioriza as mulheres simplesmente pelo fato de serem mulheres.

Essa inferiorização pode acontecer de forma direta e explícita, por exemplo em casos de violência doméstica, de assédio e, em última instância, até no feminicídio; ou de forma mais sutil e naturalizada, por exemplo na desigualdade salarial entre homens e mulheres de mesma formação e que exercem a mesma função em empresas, no “mansplaining”, entre outros .

Ao contrário do que muitos podem pensar, o movimento não prega o ódio aos homens. Nem é “mimimi” já que a taxa de feminicídio (o assassinato de uma mulher por sua condição de mulher) do Brasil é a quinta mais alta do mundo, de acordo com a ONU. Em números, segundo levantamento de 2017 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 12 mulheres foram mortas por dia no Brasil, que também registrou 135 estupros por dia.  

Os primeiros sinais da luta surgiram durante a Revolução Francesa, quando mulheres, diante da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão criada pelos revolucionários, escreveram a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. O movimento só foi se consolidar, entretanto, no fim do século 18, com a Revolução Industrial, e, com o passar do tempo, foi se ramificando.

No Brasil, o movimento começou a ganhar força no início do século 20. Algumas de suas pioneiras foram Nísia Floresta e Bertha Luz, que fundaram a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que lutava pelo direito das mulheres ao voto e ao emprego (naquela época era necessário ter autorização do marido). Nomes como Sueli Carneiro e, principalmente, Lélia Gonzalez também foram extremamente importantes, especialmente no que diz respeito à militância das mulheres negras, pouco representadas pelos primeiros movimentos feministas.

Aliás, foram as diferentes necessidades de luta encontradas por mulheres de vivências distintas que fez com que fossem surgindo várias vertentes feministas. Aqui, nós listamos algumas - não todas. Ficam faltando, por exemplo, o transfeminismo e o feminismo lésbico, ou queer, cuja uma das maiores referências é a filósofa norte-americana Judith Butler; e o anarcofeminismo, teorizado pela irlandesa Deirdre Hogan na obra “Feminismo, classe e anarquismo”.

Sabendo disso, conheça seis vertentes.

Feminismo liberal

Foto: shutterstock
O feminismo liberal, de grupos como o Femen, é individualista e, por isso, é bastante criticado


O feminismo liberal é possivelmente um dos “feminismos” mais antigos, ainda que essa nomenclatura seja relativamente recente. É por meio dele que as mulheres normalmente têm seu primeiro contato com o  movimento .

A vertente tem uma linha de pensamento individualista que sugere que se as mulheres mudarem, individualmente, em suas vidas pessoais, empoderando-se, o mundo ao redor delas mudará. Essa mudança dependeria exclusivamente do pensamento e comportamento de cada uma.

Além disso, ela tem um lado empreendedor, justamente por conta do discurso do empoderamento. Assim, as liberais são a favor da famosa “pornografia feminista” e da regulamentação da prostituição como um trabalho comum, visto que acreditam que as mulheres têm total liberdade sobre o próprio corpo e podem escolher vendê-lo, bem como consumir outros corpos - desde que com consentimento.

Assim, a vertente não levaria em consideração os contextos que oprimem estrutural e sistematicamente as mulheres. De forma prática, isso significa que as feministas liberais pensam que as mulheres são completamente livres para escolher e controlar seus corpos, como se o machismo fosse um impedimento pessoal, e não algo que de fato limita e poda as mulheres como um todo e em diversos aspectos da vida. Da mesma forma, as liberais não se solidarizam ou busca libertar mulheres que não conseguem, elas mesmas, combater o machismo.

Feministas de outras vertentes criticam as liberais com o argumento de que uma mulher se empoderar não liberta todas as mulheres e, consequentemente, nenhuma mulher é livre enquanto todas não forem.

A vertente liberal surgiu na Revolução Francesa, com Olympe de Gouges que redigiu a Declaração dos Direitos da Mulher e Cidadã, e foi passando por novas “ondas” com o passar do tempo, principalmente quando houve a consolidação do capitalismo. Referências de sua onda mais recente, a terceira, são as escritoras norte-americanas Naomi Wolf e Rebecca Walker. O famoso e polêmico grupo ucraniano Femen, cujas militantes utilizam a nudez para protestar contra o machismo, também se enquadra como liberal.

Feminismo marxista ou socialista

Foto: Reprodução
A escritora italiana Sylvia Frederici e a socióloga brasileira Sabrina Fernandes são referências do feminismo marxista


O feminismo marxista ou socialista surgiu quando, percebendo as limitações da vertente liberal, as mulheres entraram em contato com as ideias de esquerda de Karl Marx e Friedrich Engels. Esse "tipo" acredita que a opressão contra as mulheres é fruto e só existe em conjunto com o capitalismo que, por si só, estimula a opressão por meio da sociedade de classes.

Assim, a subordinação feminina exisitira não apenas por conta do machismo, mas por causa da forma como a economia se organiza e do papel que foi estabelecido para que as mulheres exerçam nesse mundo capitalista, especialmente no núcleo familiar. Aqui é importante levar em consideração o momento de surgimento da militância marxista: em plena Revolução Industrial. Os homens eram aqueles que saíam para trabalhar, enquanto as mulheres ficavam em casa, responsáveis pelos filhos. A primeira luta dessas feministas foi pelo direito de trabalhar.

Com o passar do tempo, as reivindicações das feministas socialistas foram mudando, mas sempre com o mesmo pensamento: de que o machismo só acabaria quando acabar o capitalismo, com a abolição dos meios privados de produção e uma redivisão sexual do trabalho.

Para análises e referências atuais do feminismo marxista, vale conhecer o trabalho da historiadora italiana Sylvia Federici, da ex-Pantera Negra estadounidense Angela Davis e da youtuber e socióloga Sabrina Fernandes, do canal Tese Onze.

Feminismo radical ou radfem

Foto: WikiCommons
Simone de Beauvoir (esq) teorizou o patriarcado; Andrea Dworkin foi uma importante militante


O feminismo radical, ou radfem, ganhou relevância nos anos 1970 e é um dos mais debatidos e polêmicos atualmente. Similar ao marxista, ele se difere ao levar em consideração a centralidade das mulheres e encontrar como fonte da opressão o patriarcado, isto é, sociedade construída em torno da dominação masculina. Isto significa que não seria o sistema econômico que estimularia a opressão das mulheres, mas a sociedade que valoriza o sexo masculino em detrimento do feminino.

Desta forma, não bastaria que uma mulher se empoderasse, até porque, a sociedade como ela é já existe há muito tempo, assim como suas normas - opressoras. Logo, é muito mais provável que essa mesma sociedade afete as mulheres antes mesmo que elas consigam se empoderar, de modo que nem todas vão conseguir e até as que conseguirem ainda vão sofrer com isso.

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Como exemplo prático temos os estereótipos de beleza, sendo a magreza um deles. Se por um lado temos um extremo das mulheres que chegam a desenvolver até distúrbios alimentares por consequência da pressão que sofrem, do outro temos as mulheres que rejeitam os estereótipos totalmente, recusando-se a segui-los, mas que sofrem preconceito por isso (é aí que começa a gordofobia, por exemplo). Todas elas são prejudicadas porque o estereótipo é algo estrutural, que vai seguir existindo e exercendo sua influência sobre as mulheres independente do que elas "escolhem" fazer individualmente.

É por isso que, segundo o feminismo radical, seria necessário combater a construção social dos gêneros e sexos que é hierárquica e, portanto, determina a inferioridade das mulheres.

Críticos e críticas a essa vertente problematizam a forma como as radfem muitas vezes fazem esse combate, pois algumas militantes acabam assumindo posições um pouco "extremas", o que é compreensível considerando a violência física e psicológica sofrida pelas mulheres diariamente (vale ressaltar, contudo, que existe muita informação equivocada sobre o radfem, já que se acredita que, só por levar “radical” no nome, é um feminismo extremista).

Existem, por exemplo, aquelas que acreditam que sequer é possível se relacionar com homens, visto que a simples existência deles como homens na sociedade patriarcal já é opressora e um relacionamento com um homem seria inevitavelmente opressor.

Já outras, não todas, se utilizam do discurso do radfem para excluir mulheres trans da luta feminista (são as TERFs, feministas radicais trans-excludentes). Para elas, mulheres trans se beneficiaram dos privilégios do patriarcado para com os homens por terem nascido homens e, uma vez detentoras da opressão, teriam o poder de sempre exercê-la, ainda que fizessem a transição do corpo e assumissem a identidade física de mulher.

A primeira a pensar e problematizar a sociedade dividida entre sexos, sendo os homens como opressores e as mulheres como inferiorizadas, foi a filósofa Simone de Beauvoir, referência até hoje para todas as vertentes feministas. Outras importantes pensadoras do radfem foram as norte-americanas Andrea Dworkin, escritora e famosa por seu trabalho de combate à pornografia, e a jurista Catherine MacKinnon.

Feminismo negro

Foto: Walter Craveiro/Flip // Reprodução
Conceição Evaristo (esq) e Djamila Ribeiro são importantes autoras brasileiras do feminismo negro


Quando o feminismo surgiu, foi entre mulheres brancas de classe média. Assim, as lutas das mulheres classe baixa - majoritariamente negras - eram ignoradas e constantemente invisibilizadas. Enquanto as mulheres brancas lutavam apenas contra o machismo, as negras enfrentavam o peso da opressão machista e racista combinadas.

No Brasil, a militância feminista negra começou a ganhar força na década de 1980, com o surgimento de coletivos e nomes como Sueli Carneiro, Lélia Gonzalez, Núbia Moreira e Luiza Bairros à frente da representação das mulheres negras.

Foram elas que começaram a afirmar que o feminismo deveria necessariamente discutir questões de classe e combater o racismo, porque também existem mulheres negras que não estavam sendo contempladas no discurso feminista “tradicional”, inclusive sofrendo racismo de mulheres brancas.

Isso seria especialmente importante porque os efeitos da dupla opressão sofrida pelas mulheres negras (isso sem contar aquelas que ainda integram a comunidade LGBT) faz com que elas sejam as que mais morrem em abortos clandestinos e estão mais sujeitas ao indiciamento criminal se sobrevivem; são as que mais sofrem violência obstétrica, preteridas no atendimento emergencial; e são as maiores vítimas da violência doméstica, compondo 60% das estatísticas de mortes por feminicídio.

O corpo das mulheres negras também sofre uma opressão distinta. Além de terem de enfrentar os estereótipos de beleza que exige que alisem o cabelo, tenham o nariz fino, sejam magras, etc, seus corpos são objetificados de uma maneira diferente da dos corpos de mulheres brancas. São as “mulatas” sensuais e exóticas, aquelas que satisfazem o prazer dos homens, mas não foram feitas para relacionamentos sérios.

A poeta e romancista norte-americana Audre Lorde foi uma das militantes negras mais emblemáticas e uma das primeiras a questionar o feminismo branco. Além de tudo, ela era lésbica e em suas obras abordava racismo, machismo e gênero. Outro importante nome é Angela Davis, filósofa socialista ex-membro dos Panteras Negras nos EUA, autora da famosa obra “Mulher, Raça e Classe”. No Brasil, a antropóloga e professora Lélia Gonzalez foi uma das precursoras do movimento. Hoje, Djamila Ribeiro, mestre em filosofia política, e Conceição Evaristo, escritora, são algumas das principais militantes e pensadoras.

Feminismo interseccional

Foto: shutterstock
Feminismo interseccional vem da percepção de que as mulheres têm vivências de demandas distintas, mas devem se unir


O feminismo interseccional é a vertente mais recente do movimento e uma das mais relevantes atualmente. Ponto levantado principalmente por feministas negras, reconhece a intersecção entre diferentes opressões: classe, gênero, raça e orientação sexual. O termo foi cunhado oficialmente no fim da década de 1980 pela advogada norte-americana Kimberlé Crenshaw, mas mulheres negras já falavam do tema muito antes.

“A visão de que as mulheres experimentam a opressão em configurações variadas e em diferentes graus de intensidade. Padrões culturais de opressão não só estão interligados, mas também estão unidos e influenciados pelos sistemas intersecionais da sociedade. Exemplos disso incluem: raça, gênero, classe, capacidades físicas/mentais e etnia”, é Kimberlé define a vertente em seu livro “A interseccionalidade de raçã e gênero”.


Nascendo como uma crítica ao feminismo branco, a troca de experiências fez com que as mulheres, dando-se, enfim, conta de que suas vivências distintas geram diferentes demandas, perceberam que, para combater o patriarcado e a opressão, em geral e de forma efetiva, é necessária a união e uma luta que abarque todas as demandas.

O feminismo interseccional acaba sendo complementar a outras vertentes, como o ecofeminismo, a marxista e a militância feminista negra.

Autoras de referência que discutem a importância da interseccionalidade no feminismo são Kimberlé Crenshaw, a própria Djamila Ribeiro e até a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie que, apesar de não falar da vertente propriamente dita, acaba abordando o tema indiretamente por meio do discurso que têm em suas obras e em manifestos como “Sejamos todos feministas” e “Para educar crianças feministas”.

Ecofeminismo

Foto: Shutterstock / Reprodução
A indiana Vandana Shiva (esq) e a brasileira Daniela Rosendo são importantes militantes do ecofeminismo


O ecofeminismo expande ainda mais a luta das mulheres, abraçando a proteção à natureza e aos animais. Surgido nos anos 1970 por consequência da crise ambiental que sucedeu a Revolução Industrial, foi se consolidar na obra de Françoise D’Eaubonne, com a obra “Feminismo ou a morte”, de 1974.

De acordo com essa vertente, as mulheres devem lutar contra a exploração do meio ambiente pois são as mais propensas a sofrerem com danos ambientais - fato comprovado por diversos órgãos internacionais, incluindo o UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas). Além disso, as ecofeministas enxergam como contraditório combater a opressão contra as mulheres, mas permanecer indiferente à exploração dos animais e da natureza que, por consequência, acaba explorando ainda mais pessoas.

Geralmente, as ecofeministas são veganas e críticas, além disso, à agricultura de latifúndio.

Algumas das principais expoentes do ecofeminismo atualmente são a filósofa brasileira Daniela Rosendo, a ativista indiana Vandana Shiva e a escritora norte-americana Carol J. Adams, autora do livro “A política sexual da carne: uma teoria crítica feminista-vegetariana”. A youtuber e socióloga Sabrina Fernandes, do canal Tese Onze, também fala sobre o assunto com frequência por ser vegana e ecossocialista, além de feminista e falar sobre feminismo .