Naiana Ribeiro

Mês da luta antigordofobia: 10 livros que você precisa ler

Escritos por mulheres gordas e sobre vivências em corpos dissidentes, obras exploram o insólito, a opressão e os recursos narrativos para dar conta do preconceito

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Autoras da seleção: Jéssica Balbino, Mariana Salomão Carrara, Roxane Gay, Carmem Maria Machado, Agnes Arruda, Isabela Figueiredo, Malu Jimenez, Virgie Tovar, Gabriela Rocha e Lorena Otero

No próximo dia 10 de setembro comemora-se o Dia da Luta Contra a  Gordofobia ou Dia de Visibilidade à Luta Antigordofobia.  A data é considerada importante por fomentar discussões sobre como combater esse preconceito, além de celebrar as obras e projetos das pessoas gordas em todo o mundo.

A literatura pode ser um artifício importante para gerar identificação e convidar pessoas ao exercício da empatia, sobretudo quando o assunto é opressão. Com a chegada deste mês, convidamos a jornalista Jéssica Balbino , que também escreve sobre literatura e corpos dissidentes, para fazer a curadoria de uma lista de livros escritos por mulheres gordas e sobre vivências em corpos dissidentes.


"Compreender o universo através das vivências de quem vem sendo estruturalmente oprimido é uma tarefa nova e propositiva diante do muito que precisa ser dito sobre o tema, bem como a urgência com que isso precisa ser feito, haja vista que, até aqui, a dominância literária se dá através dos corpos padrões, ou seja, magros ", ressalta Jéssica, que é referência no ativismo gordo nacional. 

Os 10 livros escolhidos passeiam por vários estilos como poesia, distopia, política, romance ou autoficção, com diferentes e um novo olhar e perspectiva. 

1 - gasolina & fósforo, de Jéssica Balbino (Selo do Burro)

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Obra autoral mescla poesia e contos


"Sim, eu vou começar a lista indicando meu próprio livro. Trata-se de uma obra de poesia de estilo híbrido, que mescla poesia, prosa, contos e crônicas em uma experiência totalmente corporal, que brinca com os sentidos e estabelece novas linguagens como a audiovisual, a fotográfica e a jornalística para dizer de um corpo gordo habitando o mundo, sentindo e vivenciando tudo que é possível através das opressões, preconceitos e violências, bem como dos amores, alegrias e celebrações." 

2 - se deus me chamar não vou, de Mariana Salomão Carrara (Editora Nós) 

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Romance conta com o relato da garota que quer ser escritora


"O livro conta a história da garota Maria Carmem, que tem 11 anos e se descobre gorda um dia, na escola. O corpo da pré-adolescente, que enfrenta dilemas como o primeiro amor, a vida familiar, as perdas e as mudanças, não é o foco principal da trama, mas salta aos leitores em diferentes momentos, nos fazendo entender e perceber a crueza da vida a quem foge aos padrões corporais. 

No entanto, “se deus me chamar não vou” é um livro pra lá de sensível e que imprime uma delicadeza bastante sutil ao tratar de temas bastante espinhosos, ora com humor, ora como a vida é, mas sempre com a oralidade inerente à criança de 11 anos. Sempre com a descoberta do mundo que só acontece uma vez, também nessa idade." 

3 - Fome, de Roxane Gay (Globo Livros)

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Livro mostra os acessos que são negados às pessoas gordas


"Narrado em primeira pessoa, o livro conta a história da (Má) feminista, negra, descendente de haitianos que se tornou autora best-seller, após sofrer um abuso sexual aos 12 anos e passou a utilizar seu próprio corpo como esconderijo contra os seus piores medos. 

Para afastar os olhares alheios e o desejo masculino, passou a comer compulsivamente. Na comida, encontrou o alento necessário para tentar esquecer o que tinha acontecido. Roxane escondeu o estupro coletivo sofrido por anos. Mais precisamente, até conceber o livro, que não é uma narrativa bem-sucedida sobre perda de peso. 

É a narrativa de uma mulher gorda, que é bem sucedida. Engraçada, impetuosa e bem-humorada, ela é também uma potência, que marca o tempo em que vivemos. A obra é dolorosa, mas é também ousada e arrebatadora. 

Pra lá de necessária se quisermos entender, num olhar de dentro para fora, como é habitar um corpo gordo no mundo."  

4 - O corpo dela e outras farras, de Carmem Maria Machado Editora Planeta) 

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Livro explora o medo e a sensação de instabilidade que perpassam a experiência de ser mulher num mundo hostil



"Apresentado como um Black Mirror Feminista, o livro da autora estadunidente com origens cubanas, Carmem Maria Machado é um dos melhores que li - e reli - recentemente. Com oito contos distópicos e insólitos, que ficam entre o horror, a ficção científica e os corpos das mulheres, a obra é exemplar em fazer os leitores, sobretudo as leitoras, sentir medo, sendo que o maior deles é ser mulher e ter um corpo exposto a todos horrores e violações que isso pode significar. Aqui, corpos podem significar liberdade ou prisão, depende de quem os maneja. 

A espetacularização da violência sobre os corpos de mulheres - que são o play para todos os contos - é o principal questionamento inerente à obra de Carmem Maria Machado, que diz de estupros em série, mulheres que ouvem vozes, escritoras casadas com outras mulheres e a terrível obsessão pelo silêncio das mesmas. 

No “oito bocados”, a relação com o corpo e o tamanho dele aparece de forma mais direta, quando a protagonista revela que a mãe lhe ensinou que tudo que você precisa para se alimentar são oito garfadas. Quando ela chega a idade adulta e se percebe mãe de uma filha com ideias diferentes do da família sobre cirurgias e emagrecimento, entra em conflito ao perceber que a filha não aceita que a mãe a ame, evidenciando o quanto as famílias podem colaborar para um tratamento desumanizado às pessoas gordas.

Nesta obra, toda protagonizada por mulheres múltiplas e plurais, todas lidam muito bem com a própria sexualidade, sendo que lésbicas e bissexuais têm mais destaque nas tramas." 

5 - O peso e a mídia, de Agnes Arruda (Editora Alameda) 

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Autora critica o apagamento da mulher gorda na mídia


"Este livro, que também é uma tese de doutorado de Agnes Arruda nos mostra que a estratégia de apagamento de pessoas gordas na mídia é também uma forma de gordofobia e nos faz lembrar que embora pareça óbvia essa constatação, esse é o primeiro trabalho científico sobre o tema feito no país. 

A obra é parte dessa pesquisa autoetnográfica, em que a autora nos apresenta as muitas faces da gordofobia e critica o apagamento da mulher gorda, desvendando as raízes da opressão estrutural que regulamenta o processo histórico de mutilação do feminino. 

Um livro pra lá de urgente para pensarmos na semiótica atrelada a opressão contra pessoas gordas."

6 - Lute como uma Gorda, de Malu Jimenez (Independente)

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Obra é dica para quem quer entender as raízes da gordofobia


"Com recursos dos estudos culturais e da filosofia, Malu Jimenez transformou a própria vivência de mulher gorda no mundo em arte e pesquisa, através da publicação da tese “Lute como uma gorda”, que discute sobre o cotidiano, o consumo e o ativismo de pessoas gordas. Considero esse um livro obrigatório para quem quer entender as raízes culturais e sociais da gordofobia.  

Malu consegue encontrar, por meio dos depoimentos, a raiz do sofrimento das mulheres gordas em relação ao estigma do próprio corpo e os padrões de beleza e brada pela despatologização deste corpo, pela criminalização da falta de acessos e do preconceito. Para completar, o livro traz também um ensaio artístico com fotos de Ju Queiroz de mulheres gordas na Chapada dos Guimarães e colagens de Paula Mello." 

7 - Meu peso, minhas medidas, de Virgie Tovar (Primavera Editorial)

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Autora pondera sobre classe, raça, sexualidade e tamanho do corpo



"Um livro rápido, que pode ser definido como um ensaio a partir da própria experiência de vida de Virgie Tovar, uma mulher gorda e  latina vivendo nos EUA, que se apresenta como feminista e debate, entre muitas questões, a perda do próprio corpo para a opressão, a dificuldade no acesso aos afetos, a forma como as dietas podem ser um processo abusivo, entre outros temas pouco abordados no Brasil. 

De forma bastante eficiente, Virgie Tovar consegue ser sucinta e direta ao comunicar temas bastante espinhosos, como o corpo feminino gordo apresentado como moeda de troca, escancarando a participação masculina na manutenção desse sistema de opressão. E ela vai além ao discutir como “A gordofobia é a nova linguagem do classismo e do racismo” e analisa a representação de crianças gordas em uma campanha de ‘combate à obesidade infantil’. A autora consegue tecer ponderações muito interessantes sobre classe, raça, sexualidade e tamanho do corpo." 

8 - Gabyanna - Negra e Gorda, de Gabriela Rocha  (Editora Schoba) 

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Livro faz críticas ao racismo e a gordofobia


Gabyanna - Negra e Gorda é uma autoficção de Gabriela Rocha em que ela faz a intersecção das pautas do racismo e da gordofobia de forma singular e explana o que é viver com estes dois marcadores, tanto no Brasil como no exterior (atualmente vive em Oslo, na Noruega).

Gabyanna é uma mulher de classe média, com acessos privilegiados e que se lança no mundo em busca do amor e acaba esbarrando em diferentes encruzilhadas quando deseja só uma coisa: alguém que a ame exatamente como ela é (e aqui eu adianto, ela é incrível) e que esteja disposto a formar família. 

Mesmo em diferentes e sucessivas relações que terminam de formas ruins, Gabyanna não perde a esperança de viver um grande amor e, nesses intervalos, dá um jeito de ser ainda mais feliz, mais bem sucedida, mais bonita, mais divertida, mais rodeada de amigos e familiares que tornam tudo mais interessante, porém, ela não deixa de fazer críticas ao racismo e a gordofobia, que combinados, escancaram a dupla opressão e a solidão a qual estão fadadas as mulheres que pertencem a estes grupos étnicos ou corporais - ou os dois juntos."

9 - A gorda, de Isabela Figueiredo (Editora Todavia) 

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Romance fala sobre autoimagem e a complexa relação da protagonista com o próprio corpo


"O corpo gordo como uma casa que se habita, mas não se quer morar. Assim é a primeira linha do romance A gorda da portuguesa Isabela Figueiredo. Protagonizado por Maria Luísa, o livro conduz o leitor para dentro desta casa que vamos pisar nos sentimentos, sonhos e assombros da personagem.

Apresentar o corpo e a vida a partir dos cômodos do apartamento em que Maria Luísa viveu a maior parte da vida traz à tona o óbvio: nosso corpo é nossa casa. O passeio pela casa em Almada é também um convite a conhecer o interior de uma vida como a de todos nós – cheia de marcas. E, neste caso, talvez mais partidas do que chegadas.

A Gorda é um romance dilacerante e encantador na mesma medida. É impossível terminar de ler e sair do mesmo jeito. É um romance como poucas vezes vimos: honestíssimo."

10 - Osso de Baleia, de Lorena Otero (Quintal Edições)

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'É um livro crítico no tom certo. Honesto em sua forma', diz Jéssica Balbino


"O livro de contos de Lorena Otero é um dos melhores que li nos últimos anos. Uma das obras mais primorosas ao tratar do corpo. Se valendo da liberdade ficcional, a autora abusa das múltiplas temáticas para tratar da opressão sem necessariamente chamá-la pelo nome. Com personagens ora cruéis, ora doces, os 18 contos do volume rompem com a barreira da gorda feliz ou da gorda triste e passeia por diferentes estereótipos sem ser panfletário.

Lorena Otero fez um livro pra lá de necessário: é uma grande obra. E que delícia que é mergulhar no universo do Osso de Baleia sem saber o que vamos encontrar. Há tanto a ser desvendado até que esse ossos apareça e a autora consegue ser absolutamente perspicaz na escolha das nuances de cada personagem. É um livro crítico no tom certo. Honesto em sua forma. Uma obra corajosa, no melhor sentido dessa palavra." 

Bônus

Não Sou Exposição, de Paola Altheia (Quintal Edições) 

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Não Sou Exposição, de Paola Altheia (Quintal Edições)


"Diferente dos demais livros listados acima, este foi escrito por uma pessoa magra. Mas não é menos importante na lista, por isso, entra como bônus track. Com origem no blog e no canal de mesmo nome, o livro da nutricionista Paola Altheia, é, no mínimo, polêmico, uma vez que ela se posiciona contra as dietas e acredita que são elas as responsáveis por boa parte dos problemas de saúde e dilemas com a balança.

Inspirada por estudos e vivências em consultório, Paola conduz o leitor ao entendimento da absurdidade de diferentes situações que se dissolveram em momentos diários, passando a ser parte da regra e da “normalidade”. De acordo com ela, controlar os corpos femininos, em pequenos –  e grandes – detalhes, é uma trama enredada em lucro e poder. E, através da obra, propõe estratégias de luta contra esse sistema."