Dentre os muitos memes que pipocaram nas redes sociais na última semana sobre Round 6, série coreana em cartaz na Netflix , um particularmente se repetia na minha bolha: a que mostrava o apresentador Luciano Huck sob uma das máscaras dos funcionários sem rosto que organizavam e limpavam a sujeira de uma disputa mortal. Centenas de pessoas eram desafiadas a disputar “jogos infantis” em busca de um polpudo prêmio em dinheiro. Porém, os que não conseguiam completar as provas eram executados - alguns durante as provas.
Round 6, contudo, não trata de uma disputa televisiva espetacular para as massas . Ela se trava num ambiente fechado, como uma prisão, em que desistir não é possível a menos que a maioria esteja de acordo, o que inclui voltar pra casa sem nada. Conforme os jogos avançam, a convivência entre os competidores vai se tornando tensa e violenta. Até onde pode existir esperança ou cooperação em um jogo que não se trata apenas do grande prêmio, mas de permanecer vivo?
Round 6 pode até lembrar vagamente as provas do Caldeirão. Assim como lembra O Experimento de Stanford, Jogos Vorazes ou O Poço. Mas olhando para além da carnificina - que não, não parece Tarantino - o que a série coloca em evidência são vidas dilaceradas em uma sociedade em que a concentração de renda é cada vez maior, na qual a despeito da tecnologia, há mais pobreza, endividamento e violência.
Com exceção do protagonista, a série permite apenas um breve olhar sobre os personagens e suas vidas antes de entrar na competição.Temos um viciado em apostas desempregado, vivendo às custas da mãe idosa; uma refugiada política da Coreia do Norte tentando reuniar a família; um investidor arruinado; um imigrante paquistanês trabalhando em situação análoga à escravidão; um gangster que caiu em desgraça e um velho que parece não ter mais nada ou ninguém.
Todos ali, incluindo os trabalhadores sem rosto que operam os jogos, são miseráveis e sem perspectivas, cada qual à sua maneira, mas diante de uma chance de ganhar muito dinheiro de modo rápido e “igualitário”. A meritocracia tá diferente ou é exatamente assim?
Round 6 enche os olhos com os cenários que lembram videogame, mas conquista pela tentativa humana, não do lucro a qualquer custo, mas de tentar formar laços de solidariedade para sobreviver a situações extremas. Mesmo que esses laços sejam temporários, já que no topo da pirâmide social não tem lugar para muitos. Avança quem consegue usar o outro como escada, deixar pra trás o aliado de ontem e, principalmente, não tem medo de sujar as mãos.
Conforme Round 6 se aproxima do final, percebemos que aquele jogo, longe de ser um espetáculo para a massa é um divertimento exclusivo para as elites, que tendo mais dinheiro que pode gastar, se deleita à moda dos imperadores romanos. Eles estão lá para nos lembrar que aquele estilo de vida só é possível devido aos massacres, às vidas dilaceradas. São elas que pagam pelo luxo e pela diversão de quem pode qualquer coisa.
O final amargo, que muita gente detestou, nos fala sobre a ínfima possibilidade de jogar e sobreviver tendo o mínimo de padrões éticos, de como sobreviver num sistema cada vez mais excludente é traumatizante e que, por mais que você tente expor e entender o que acontece, é maior as forças individuais e saturado de algumas verdades cruéis.
A primeira é que vencer nunca vai fazer de alguém parte dos 1%; eles são a elite. O que é possível é apenas escapar da miséria - e isso já tem muita coisa. Mas a pior é que independente da revolta, da injustiça, das vitórias ocasionais, dos massacres, do desespero e dos poucos laços de solidariedade que é possível construir num mundo de competições mortais, o pior é mesmo é que o jogo não para.