Não é de hoje que condutas e declarações preconceituosas por parte de participantes do BBB21 se tornam assunto nas redes sociais. São participantes questionando a orientação sexual , incomodados com a “cachorrada” e a roupa dos outros, se considerando mais educados por ser do sul do país e, mais recentemente, achando ok comparar uma peruca de homem das cavernas ao cabelo de uma pessoa negra . A festa de ontem, porém foi a primeira vez em que a atração da festa respondeu à altura.
Ao iniciar a apresentação de seu hit “Favela chegou”, Ludmilla mandou um recado direto: “respeita o nosso funk, respeita nossa cor, respeita o nosso cabelo”. João e Camilla se abraçaram, eufóricos. Horas antes, na despensa, o professor chorou ao revelar à amiga que Rodolffo, o agrotóxico , havia comparado a peruca de homem das cavernas ao seu cabelo black power.
O desabafo de João toca num ponto muito sensível para pessoas negras: nós não estamos preparados para responder ao racismo o tempo todo. Não é só se habituar a fechar os ouvidos e chorar escondido para lidar com pessoas que acham engraçado usar nossos cabelos em fantasias - como a Nega Maluca -, ter que ouvir “O teu cabelo não nega” no carnaval ou ver socialites fazendo festas com negros vestidos de escravos e desfiles com modelos usando peruca de palha de aço. É nunca saber quando, nem de onde, vem o golpe.
"Respeita o nosso funk, respeita a nossa cor, respeita o nosso cabelo" #BBB21 https://t.co/t6RF8E85pQ
— TV Globo em 🏠 (@TVGlobo) April 4, 2021
João foi chorar escondido com alguém que era capaz de lhe entender. Porque João já aprendeu faz tempo o que toda pessoa preta sabe: se você reagir com emoção ao racismo automaticamente o errado será você. A mesma coisa sabem Ludmilla e sua esposa Brunna, que pela primeira vez se apresentou sem as laces, que são sua marca registrada, mostrando seu cabelo natural.
Ludmilla, é bom lembrar, recentemente perdeu o processo por injúria contra Val Marchiori, que não teve o menor pudor de dizer ao vivo que o cabelo da cantora parecida “um bombril”. No entendimento do juiz, a declaração da socialite seria “liberdade de expressão” e não uma declaração racista.
A fala de Ludmilla ontem responde ainda às declarações do produtor musical, Rick Bonadio, que criticou a presença do funk na premiação do Grammy. O mesmo funk que já havia sido criticado por Luana Piovani, ao ser escolhido como trilha para o desfile da Fenty, marca de Rihanna - que caso alguém não saiba, é preta.
Mais do que um tapa - merecido - na cara daqueles que manifestam preconceitos diversos, a apresentação de Ludmilla foi um afago. Do meu sofá, assistindo ao vivo, eu gritei: “respeita, c*ralho!”, com o punho em riste, me sentindo belíssima com minha pele marrom e meu cabelo super volumoso. O recado final, ficou por conta do beijo que Lud e sua esposa Brunna trocaram no palco: não era sobre eles, era sobre nós. Os pretos, as minas, as pessoas LGBT.
João e Camilla sentiram isso, se abraçaram e dançaram como se não houvesse amanhã. Não sei se o agrotóxico captou a mensagem - ou como diria Lumena Aleluia , se pegou a visão. O que eu sei é que eu e diversas pessoas negras e/ou LGBT fomos dormir mais felizes. Nem tudo é sobre racistas e homofóbicos.
Como diria Emicida, “tudo tudo tudo tudo que nois tem é nois”. Isso não serve só para a dor. Como mostrou ontem Ludmilla, há uma alegria guerreira que se expressa nesse orgulho da nossa música, da nossa cor, nos nossos cabelos e por mais tentem, jamais conseguirão nos tirar. Obrigada, Lud.