Segundo um estudo recente que consultou mais de mil britânicas, 43% das mulheres que têm problemas como coceira nas partes íntimas, secura vaginal e dores durante a relação sexual não falam com ninguém sobre o problema. Apesar de a sociedade se tornar cada vez mais aberta a discutir assuntos como sexualidade e saúde íntima, muito ainda é considerado tabu. Isso faz com que algumas mulheres fiquem claramente desconfortáveis em tocar em temas como esses e até tenham pavor de ir ao ginecologista.
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Não é difícil encontrar mulheres que fogem do ginecologista . A mera expectativa de ir à consulta faz com que muitas sintam arrepios e acabem evitando a visita ao máximo, mesmo quando há dúvidas para tirar e problemas para resolver. Segundo Luiza (nome fictício), que, aos 22 anos, só foi a uma consulta na vida, as principais razões para isso são vergonha e desconforto. “Tenho muita vergonha de outra pessoa ver, mexer, não gosto, acho muito íntimo, acho que a pessoa vai achar estranho”, comenta a jovem.
Livia Daia, ginecologista, obstetra e mastologista da clínica Daia Venturieri afirma que lida frequentemente com pessoas assim no dia-a-dia. “É muito difícil você ir ao médico e se expor dessa maneira”, reconhece. Ainda assim, a médica explica que evitar as consultas ou omitir informações, mesmo que por vergonha, pode prejudicar desde a saúde até a vida sexual da pessoa. “Tem muita gente que tem, por exemplo, dor na relação e não sabe que ela pode ser tratada. Tem de buscar ajuda e, na conversa com o médico, você nunca pode esconder nada. Aquilo que você acha que é um detalhe desnecessário pode ser um ponto crucial”, explica Livia.
Nada é obrigatório
Um dos maiores medos que as mulheres têm quando o assunto é ginecologista está relacionado aos exames que são feitos nas consultas. Segundo Livia, há, sim, a necessidade de realizar um exame físico em que o médico observa e toca as partes íntimas e os seios da mulher para detectar possíveis doenças. Mesmo que a mulher não esteja indo ao médico com alguma dúvida específica – sobre dores, gravidez, o uso de contraceptivos , por exemplo –, esse tipo de exame é “de rotina”.
Ainda assim, Livia afirma que a paciente não é obrigada a nada, principalmente na primeira consulta. “A consulta ginecológica de rotina norteia o exame físico ginecológico, mas nem toda consulta precisa se iniciar assim. Ela pode muito bem ser um bate papo para a paciente te conhecer primeiro e, na próxima oportunidade, fazer um exame físico. A paciente precisa se sentir à vontade porque se não o exame é desconfortável, doloroso e, às vezes, até incompleto”, explica a especialista.
Sinceridade é essencial
A falta de informação e de discussões sobre a intimidade faz com que muitos mitos circulem acerca do tema. Não é incomum ouvir que sentir dor após o sexo não é nada, que a relação sexual é dolorosa porque a mulher tem o canal vaginal “apertado”, que qualquer mulher pode fazer uso de pílulas anticoncepcionais, e o ginecologista está lá justamente para esclarecer esses mitos, mas, para isso, é preciso sinceridade da parte da paciente.
Segundo Livia, qualquer detalhe é importante. Sentir dores profundas durante e após o sexo , por exemplo, pode indicar problemas mais complicados que o desconforto em si, como o vaginismo, a dispareunia e até a endometriose. Omitir informações sobre si na consulta pode fazer até a escolha de um método contraceptivo se tornar um desastre, já que, por exemplo, mulheres que fumam ou têm alguma doença cardiovascular têm um risco grande de desenvolver trombose quando utilizam anticoncepcionais de ação hormonal.
Sendo assim, leve suas dúvidas e não hesite em perguntar sobre algo mais de uma vez caso não tenha entendido. Certamente, as chances das suas dúvidas serem inéditas são baixas, então não é preciso ter vergonha!
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Conduta médica
Certo, a sinceridade é essencial, mas, se a paciente vai expor informações pessoais e deixar que alguém veja e toque suas partes íntimas, é necessário que ela se sinta confortável. “Acontece muito de a paciente se deparar com médicos que não estão preparados para um atendimento mais humanizado, são muito frios, e isso gera o mito de que a consulta é traumática e sofrida”, comenta Livia.
Como afirma a médica, é, sim, possível marcar uma consulta apenas para conversar, tirar dúvidas e, dessa forma, estabelecer uma relação com o médico e ficar mais confortável com a ideia daquela pessoa te examinando. Se o especialista não te der abertura para perguntas, não estiver respondendo suas dúvidas de forma satisfatória ou te tratar mal de alguma forma, você não é obrigada a deixar que ele te examine, e nem a voltar para uma nova consulta.
Existe idade certa para começar a ir ao médico?
É comum a ideia de que a consulta ginecológica só se faz necessária a partir do momento em que a mulher tem a primeira menstruação ou a primeira relação sexual, e que a saúde íntima pode ser ignorada até que esses momentos cheguem. Segundo Livia, porém, não é bem assim que funciona. Por não serem incentivadas a conhecer o próprio corpo e a sexualidade em geral, é comum que as mulheres iniciem a vida sexual ainda com dúvidas e não tenham o controle sobre ela.
A especialista afirma que, a partir do momento em que há interesse por discutir esse tipo de questão, a consulta passa a ser uma boa ideia. “É importante ela ir até mesmo antes de menstruar para entender que nós, médicos, não somos monstros e que ela tem lá um lugar de apoio. Às vezes elas buscam ajuda em redes sociais e na internet, mas há muita informação errada. O ideal seria ela buscar a orientação com um médico, aí, quando as coisas acontecem, ela já sabe o que esperar e pode pedir ajuda”, comenta.
E a vergonha, como fica?
Muitas vezes, saber que a consulta e os exames ginecológicos são necessários não basta para que a mulher supere a vergonha de falar sobre certas questões e ter alguém examinando as partes íntimas delas. Nesse caso, além de ser preciso conversar com o médico e criar uma boa relação com ele – e, se necessário, até buscar um novo profissional –, é bom ter em mente que o médico não está ali para julgar. Ginecologistas examinam mulheres todos os dias e estão acostumados a ver vulvas de aparências diferentes o tempo todo, não é a sua que vai fazer com que eles saiam correndo do consultório e falem sobre com todos os colegas médicos.
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Outra coisa que costuma deixar as mulheres ainda mais envergonhadas perante o ginecologista é a questão do acompanhante. Se esse é o seu problema, pois saiba que sua mãe ou seu marido não precisam entrar com você no consultório, muito menos saber sobre o que foi discutido ali. Para algumas, ter uma pessoa ali durante a consulta pode ajudar, mas elas devem escolher alguém que as deixe confortáveis.