“Aos 33, menopausa precoce me inspirou a criar um podcast”
Reprodução/Divulgação/Vênus Talks
“Aos 33, menopausa precoce me inspirou a criar um podcast”


Receber um diagnóstico de menopausa precoce por volta dos 30 anos de idade já seria, por si só, um divisor de águas na vida de qualquer mulher. Para Renata de Paula, enfermeira de formação e empreendedora social, no entanto, o impacto foi ainda mais intenso: logo depois veio a confirmação de um câncer de mama .

“Foi como se o chão sumisse” , relembra. Ativa e acostumada a uma rotina cheia, ela conta que enfrentou uma sensação avassaladora de medo e solidão .

“Ver meu corpo mudar tão bruscamente, sem preparo, me trouxe um turbilhão de incertezas” , diz.

Essa experiência, que uniu transformações físicas e emocionais, levou Renata a repensar seu papel como mulher e a buscar apoio em pessoas próximas.

“Foi preciso aceitar a vulnerabilidade e transformá-la em força”, resume.

O silêncio em torno da menopausa precoce

Se a menopausa é um tema cada vez mais presente nas discussões sobre saúde feminina, sua forma precoce ainda é pouco compreendida. Renata lembra que o mais doloroso nesse processo foi a solidão.

“É um assunto pouco estudado e, muitas vezes, invisível. Sentia que ninguém entendia o que eu estava vivendo. A ausência de diálogo e de suporte aumentou o sofrimento”, conta.

Mesmo sendo enfermeira, ela própria não reconheceu em si os mais de cem sintomas já associados à menopausa . Foi essa constatação que a motivou a dar um novo propósito à sua dor: transformar a própria experiência em informação acessível para outras mulheres.

“Percebi que faltava um espaço para conversar sobre isso sem tabu, mostrando que a menopausa vai muito além dos fogachos”, explica.

Um desafio coletivo

O cenário de desinformação é confirmado por dados recentes. O IBGE estima que cerca de 30 milhões de brasileiras estão na menopausa. Ainda assim, menos de 1% recebeu diagnóstico pelo SUS em 2024. Globalmente, pesquisas apontam que apenas 15% das mulheres têm acesso ao tratamento adequado e que 7 em cada 10 não se sentem preparadas para essa fase da vida. Para Renata, esse abismo evidencia a urgência do debate.

“Precisamos encurtar a jornada cansativa em busca de tratamento. O acompanhamento pode envolver desde endocrinologistas até fisioterapeutas, mas é essencial que essa informação chegue mais rápido às mulheres, evitando sofrimento desnecessário” , defende.

Entre mitos e revisões científicas

O tabu em torno da reposição hormonal é um exemplo marcante. Em 2002, um estudo ganhou repercussão mundial ao sugerir que o tratamento aumentaria o risco de câncer de mama. O impacto foi imediato: prescrições caíram e políticas públicas foram revistas. Somente em 2025, uma revisão conduzida pelo FDA, agência regulatória dos Estados Unidos, concluiu que não havia relação entre a terapia e o câncer.

“Foram anos de desinformação que afastaram milhares de mulheres de um recurso que hoje é reconhecido como benéfico”, afirma Renata.

Ela reforça ainda que os chamados “hormônios sexuais” atuam em todo o organismo, e não apenas no sistema reprodutivo.

“Eles influenciam cérebro, músculos, ossos. Repor significa reduzir complicações da queda hormonal”, explica.

Vênus Talks: rede de apoio entre mulheres

Uma das frentes criada por Renata é o Vênus Talks, plataforma voltada ao acolhimento e à troca de experiências entre mulheres. A iniciativa nasceu da falta de redes de apoio durante sua própria jornada.

“Sem amigas ou pessoas próximas passando pelas mesmas dificuldades, esse período pode ser ainda mais solitário”, conta.

O primeiro encontro presencial do projeto foi o momento mais marcante até agora.

“Ver tantas histórias se cruzando, sorrisos compartilhados e médicos engajados nos mostrou que estávamos preenchendo uma lacuna real”, relembra.

Em 2025, o Vênus Talks ganhou destaque nas redes após uma confusão com Camila Fremder, que confundiu o podcast de Renata com outro, do grupo Flow, também nomeado como "Vênus". O episódio, no entanto, foi encarado com tranquilidade .

“Definitivamente foi um aprendizado e encarei com muita leveza. Tudo se resolveu muito bem e sinto que a porta ficou aberta. A internet falou muita coisa, mas eu não levo para o pessoal. No fim das contas, foi bom porque trouxe visibilidade para o projeto e fez mais gente conhecer nosso propósito. Isso é o mais importante” , afirma.

Reescrevendo a narrativa da menopausa

Se pudesse aconselhar mulheres mais jovens que enfrentam a menopausa precoce , Renata diria: não se isolem.

“Busquem informação de qualidade, acompanhamento médico especializado. Há vida plena depois do diagnóstico”, garante.

Para ela, enxergar a menopausa apenas como “fim” é reduzir uma fase que pode ser de conquistas.

“Com a expectativa de vida atual, passamos cerca de um terço dela na menopausa. Essa energia, antes voltada para gerar outra vida, fica para nós. É hora de investir em novos planos, mudar de carreira, criar vínculos e viver por nós mesmas”, reflete.

Seu desejo é que as próximas gerações passem por esse processo com mais naturalidade .

“Quero que minha filha entre nessa fase com acolhimento e informação, sem o tabu que eu vivi. Porque se você nasceu com ovário, vai passar pela menopausa” , conclui.

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