
Em um cenário onde o universo da marcenaria ainda é majoritariamente masculino, Luana Hazine transformou madeira, coragem e criatividade em uma trajetória inspiradora. O que começou como uma busca por reconexão pessoal após um episódio de burnout em 2017, hoje se tornou uma carreira sólida e uma referência no ofício.
A busca por algo que a reconectasse consigo mesma levou Luana a experimentar diversos cursos, mas foi na marcenaria que ela encontrou seu lugar.
"Foi um reencontro de vida. De alguma forma, eu já amava a marcenaria sem saber. Na primeira aula do curso, senti pelo cheiro da madeira no ambiente que ali era meu lugar. Depois de muito buscar em outras atividades, a marcenaria foi o que me conectou de verdade" , relembra ao iG Delas .
Aos poucos, Luana foi desbravando um caminho cheio de desafios, desde o preconceito de gênero até a construção de uma identidade única no mercado.
"Ser uma mulher nesse meio não foi fácil. Tive que provar minha capacidade todos os dias" , conta.
Mas foi justamente essa resistência que a fortaleceu. Com peças autorais que unem funcionalidade e ancestralidade, ela conquistou clientes e espaço em um setor ainda marcado por estereótipos.

Desafios em um mundo masculinizado
Apesar do cenário estar mudando, os obstáculos para uma mulher negra na marcenaria ainda são grandes. Desde questionamentos sobre sua capacidade até estereótipos que desafiam sua estética, Luana enfrentou – e ainda enfrenta – resistência.
"Quando comecei a profissionalizar, o jogo mudou. Até hoje, tem homens querendo me ensinar o que fazer, duvidando do meu conhecimento ou dando ‘opiniões’ sobre como eu deveria fazer minhas peças. Minha imagem causa espanto: estou sempre com unhas feitas, maquiada, arrumada… e isso parece incomodar quem acha que marceneira precisa se encaixar num certo padrão" , relata.
Ela também destaca a interseccionalidade do preconceito: "Ser uma mulher negra nesse meio amplia o desafio. Minha existência já é uma resistência. Mas respondo com trabalho de qualidade e mostro todo o processo nas minhas redes, para quebrar esses estigmas."
Ancestralidade no design

Luana Hazine
Sua cultura e raízes africanas são pilares em seu trabalho. Peças como o pente garfo e o espelho abebé carregam simbologias afrodiaspóricas, enquanto nomes inspirados em tradições Yorubá, Bantu e egípcias reforçam essa conexão.
"Reverencio minha ancestralidade em cada criação, seja com marchetaria de búzios, padrões africanos ou nomes que honram minhas raízes. Quero que minhas peças contem histórias, não só sejam funcionais" , explica.
Sua primeira criação, a bandeja Date, virou um sucesso instantâneo. Com um design minimalista e um encaixe especial para taças de vinho, a peça simboliza seu estilo: prático, afetivo e repleto de significado.
"Quero que minhas criações carreguem história, não apenas utilidade" , afirma.
Marcenaria como processo de cura

Luana Hazine
Além da técnica, Luana encontrou na marcenaria uma forma de cura.
"Foi um reencontro comigo mesma. Cada peça que faço é também um processo de autoconhecimento" , revela.
Hoje, três meses após decidir se dedicar exclusivamente ao trabalho com madeira, ela compartilha seu conhecimento em oficinas e consultorias, incentivando outras mulheres a ocuparem esse espaço.
Para Luana, trabalhar com madeira vai além do ofício – é um processo terapêutico.
" A marcenaria me trouxe autoestima, a sensação de que sou poderosa e posso tudo. Descobri um novo talento, uma paixão que é também uma forma de meditação. Me reconectei comigo mesma e abri portas para um universo de aprendizados e pessoas incríveis ", afirma.
Seu conselho para quem deseja seguir na área é direto: "Comece. Não importa com o quê. Eu comecei com uma serra tico-tico e um sonho. Hoje, vivo disso."