Em um cenário em que o hábito de leitura é pouco incentivado e o acesso aos livros, muitas vezes, restrito, escritores brasileiros encontram grandes obstáculos para publicar suas obras e alcançar um público leitor.
Ainda que a literatura tenha o poder de transformar vidas e provocar reflexões profundas, a falta de valorização do livro e da cultura literária torna a profissão de escritor uma escolha corajosa e, muitas vezes, árdua.
No Dia Nacional do Livro , celebrado nesta terça-feira (29), é importante lembrar e refletir sobre os desafios enfrentados pelos escritores em um país onde a literatura ainda luta para conquistar espaço e reconhecimento.
Em entrevista ao iG Delas , Vinicius Luiz, coautor do livro "Vidas Inteiras: Histórias dos 10 anos da Lei de Cotas" (Crivo Editorial) também escrito por Gabriel Araújo e Márcia Maria Cruz - semifinalista no Prêmio Jabuti de literatura, afirma que, apesar de o interesse pela leitura no Brasil não ser tão amplo, ele acredita na existência de um mercado de leitores engajado no país.
Segundo Vinicius, "quem quer ser escritor vai escrever, independentemente da expectativa de leitores." No entanto, o que realmente desafia os autores é o retorno financeiro após o lançamento de um livro. "Dificilmente um escritor conseguirá se sustentar apenas da escrita, e isso pode acabar desestimulando muitos," conclui.
Sabe-se que, no Brasil, a leitura é pouco valorizada de maneira geral, e, assim, o país não é conhecido por seu alto índice de leitura. Apesar disso, os escritores, quando se dedicam a escrever, tendem a não se preocupar muito com essa realidade. No caso dos autores Gabriel Daro e Manu Digilio, a falta de incentivo à leitura não é uma preocupação central; ambos se concentram em fazer seu trabalho da melhor forma possível, e os fãs e o público costumam apreciar suas obras.
Além disso, ao observar a lista dos livros mais vendidos, nota-se que, em todas as categorias, há uma presença significativa de livros nacionais que vendem muito bem, mesmo diante da falta de apoio. Esses livros competem de igual para igual com obras internacionais, o que é um indicativo positivo do potencial da literatura brasileira.
Mesmo diante das dificuldades, o que realmente incentiva os escritores são seus fãs. “Eles ficam aguardando a gente lançar mais livros para poder ler. O feedback dos nossos fãs é muito legal, é uma coisa que deixa a gente muito feliz de saber que eles gostam, que eles ficam ansiosos. Então saber que a gente está criando uma história, personagens, que várias pessoas ao redor do mundo vão ler essa história e consumir um pouquinho da cultura brasileira, do nosso tipo de humor, do tipo de personagens, personalidades, isso também motiva muito.”
Para quem está começando, a ideia de ganhar muito dinheiro com a escrita pode ser enganosa. A escritora Isadora Pacello , escritora do romance "A Estrela de Mil Braços" (independente, 2022), esclarece que, se alguém deseja iniciar sua carreira como escritora visando lucro imediato, o cenário não é muito promissor.
“Ser escritora é uma profissão e, evidentemente, precisamos ganhar dinheiro com isso. Não sejamos hipócritas: ninguém vive de ar. No entanto, é uma ilusão achar que o mercado literário oferece uma garantia de retorno financeiro rápido e fácil. Acredito que a maioria das pessoas não começa a escrever por esse motivo. Para os escritores, a escrita é uma necessidade. Sinceramente, nunca vi alguém que quisesse escrever desistir porque a leitura é escassa ou porque faltam políticas de incentivo à leitura. O impulso de escrever surge de um lugar muito pessoal e é imparável.”
Vencendo Barreiras
“Acho que publicar não é mais algo tão difícil. Os novos escritores, sobretudo, as mulheres, estão rompendo barreiras, com diferentes estratégias”, explica Grazielle Mendes, jornalista e escritora independente de Belo Horizonte (MG), autora do livro "Notícias da Velha Nascida”.
Existem hoje diferentes estratégias para que uma obra seja publicada, e as oportunidades vão desde chamadas de editoras para originais até edições independentes. Como relata Grazielle, que decidiu investir em uma edição própria, o processo envolveu mais do que um investimento financeiro elevado.
Ela precisou gerenciar todas as etapas do livro, desde a contratação de uma designer gráfica, revisora e ilustradora, até a promoção nas redes sociais – um fator crucial, especialmente no lançamento, quando a obra independente costuma atrair mais atenção.
“No meu caso, deu certo e vendi bem. E não parei de divulgar meu livro, escrevi e publiquei textos da obra em várias revistas literárias, que também têm aberto um espaço muito interessante para divulgação de autores.”
Participar de coletâneas e antologias, agora acessíveis também em formato digital e bilíngue, ampliou o alcance de sua obra e mostrou que, no Brasil, "publicar não é o problema. O problema é chegar ao leitor."
Esse ponto de vista revela a complexidade do mercado de livros no país. As livrarias, que aplicam altas taxas sobre o preço de capa para cobrir seus próprios custos operacionais, e as vendas online, que retêm quase todo o valor, fazem com que o livro independente chegue ao público com um preço elevado – algo que, muitas vezes, só é tolerado em best-sellers.
A autora compartilha a experiência de participar da Feira do Livro de Frankfurt, onde viu de perto como a valorização do livro se reflete na mobilização de uma grande estrutura e em filas de leitores ávidos para comprar livros e interagir com autores. “Os jovens se vestem como cosplays de personagens literários, e a entrada da feira parece a de um show de rock”, comenta, destacando o entusiasmo dos leitores.
Apesar das diferenças econômicas entre Brasil e Alemanha, ela acredita que eventos semelhantes poderiam fortalecer o mercado literário nacional, trazendo incentivos que não apenas impulsionassem a venda de livros, mas formassem novos leitores e reacendessem o interesse daqueles que substituíram os livros pelas telas. “Enfim, retroalimentar com criatividade e investimento essa cadeia”.
Futuro da leitura e dos livros
Para incentivar a leitura e valorizar os escritores no Brasil, é essencial investir em políticas públicas que ampliem o acesso ao livro. Vinicius Luiz, enfatiza a importância dos programas como o Programa Nacional do Livro e do Material Didático já desempenham um papel importante ao levar livros a crianças e jovens em idade escolar. Contudo, é preciso também olhar para o público adulto, com iniciativas que facilitem o empréstimo de livros digitais e outras ações que despertem o hábito da leitura ao longo da vida.
“A literatura no Brasil está muito viva. Nos últimos anos, acompanhamos novos autores surgindo com força e popularidade. As feiras e festas literárias angariam um público cada vez maior e mais apaixonado. Então, vejo um futuro em que o livro ocupa um espaço especial na vida das pessoas.”
A escritora Isadora Pacello , também reforça a importância de desenvolver programas de incentivo à leitura nas escolas de um jeito que não fosse traumático ou enfadonho.
“A maior parte das pessoas que eu conheço tem arrepios só de lembrar os livros obrigatórios da escola. Isso é um desserviço. O aluno dá um jeito de se virar para a prova e, quando sai da escola, nunca mais pega num livro. Leitura não é esse tormento, é um prazer.”
Além disso, Isadora destaca a importância do exemplo. “Não adianta os pais reclamarem que os filhos não leem se eles mesmos passam o dia todo grudados no celular, vendo Instagram ou TikTok. Esses aparelhos são feitos para viciar, mas precisamos nos esforçar para agir de forma diferente. Quando sinto que estou passando muito tempo no celular e lendo pouco, coloco meu Kindle na bolsa e, em vez de recorrer ao celular enquanto espero em uma fila, pego o Kindle. Participar de clubes do livro também é uma prática divertida.”
Por fim, ela reflete sobre a motivação para escrever. “Quando uma pessoa sente essa necessidade de escrever, é imparável. Para mim, isso é o que define um escritor. Nem paramos para lamentar que a leitura não é valorizada ou que o mercado é difícil. Não é por causa desses fatores que escrevemos. Escrevemos porque não conseguimos não escrever.”