O Projeto de Lei 1904, que ficou conhecido como a 'PL do aborto' , propõe modificações no Código Penal, equiparando o aborto ao homicídio. O texto determina a aplicação de pena de homicídio simples quando o aborto for realizado em fetos com mais de 22 semanas, com pena de 6 a 20 anos para o caso de aborto provocado.
Estipula-se também a mesma pena para o aborto provocado por terceiros, com ou sem consentimento. Em casos de estupro, a gestação só poderá ser interrompida até a 22ª semana.
Atualmente, o procedimento é permitido em três ocorrências : gestação decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia fetal. Nestes cenários, não existe limite de idade gestacional para a realização do procedimento.
"Nós não temos no nosso ordenamento jurídico nenhuma definição sobre qual semana esses abortos legais podem ser realizados e nenhuma restrição. Logo, pelo Código Penal o aborto legal é autorizado em qualquer semana da gestação desde que preencha uma dessas hipóteses", explica Mayra Cardozo, mentora de mulheres e advogada, especialista em gênero.
A profissional ainda aponta a incompatibilidade entre a pena da mulher e médicos com a pena do estupro. "O crime de estupro já não é um crime que é considerado gravoso ao ponto de ser julgado pelo tribunal do júri, enquanto o aborto já é visto como um dos crimes mais gravosos e de competência do tribunal do júri. Ao equiparar o crime de aborto ao de homicídio, a pena aumentaria drasticamente que é de reclusão de seis a vinte anos, enquanto a pena do estupro é de 6 a 10 anos".
Mayra ressalta que mulheres e meninas de baixa renda serão mais afetadas com a aprovação do projeto. "Viola os direitos humanos uma vez que viola os direitos reprodutivos das mulheres e ainda viola o princípio da proporcionalidade e razoabilidade da pena, uma vez que o aborto é uma realidade no Brasil - a diferença do seu modus operandi varia conforme a classe social: mulheres ricas fazem em clínicas onde o sigilo é preservado, enquanto mulheres pobres fazem em casa com métodos caseiros que, muitas vezes, as levam a morte por hemorragia. Então, essa lei seria mais uma forma de operar a seletividade penal sobre determinados corpos de mulheres que são as mulheres negras, pobres e de periferia".
A advogada afirma que o PL responsabiliza única e exclusivamente a mulher pela gravidez indesejada. "E respalda a lógica de que se uma mulher não quer ser violentada, ela deve limitar sua liberdade e não o agressor conter seus estímulos agressivos, tidos como “incontroláveis” pela sociedade patriarcal. É a lógica religiosa de responsabilizar a mulher pecadora por causar o desejo no homem ou a mulher pecadora que não quer ser mãe", completa.
No último dia 13, O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), colocou em votação o projeto que equipara o aborto ao homicídio em regime de urgência, resultando em uma aprovação "relâmpago". A matéria foi aprovada simbolicamente em apenas 23 segundos, dispensando a necessidade de registrar a votação dos deputados no painel.
O projeto de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) contou com o apoio da bancada evangélica.