Com direção criativa da stylist Clara Lima, a cantora encarna figuras históricas femininas para as apresentações do 'Ensaio da Anitta', seu esquenta para o Carnaval
A maior festa da cultura brasileira e uma das maiores e mais populares do mundo, o Carnaval, irá voltar com força total em 2023, após dois anos de pandemia. Dos bloquinhos de rua a grandes eventos, a preparação para a data é contagiante, e claro, uma das grandes protagonistas do Carnaval, Anitta, não podia deixar de trazer impacto para suas apresentações no período.
Clara fez parte da primeira formação da banda Cansei de Ser Sexy, que estourou na cena de música alternativa do Brasil nos anos 2000, com o hit "Superafim", o qual ela compôs e também interpretou. Naquela época, já vestia a banda com peças de amigos estilistas. "Minha relação com a moda tem muito a ver com música, palco e performance", conta.
E no segundo ano de faculdade, já trabalhava com o renomado artista plástico e stylist Maurício Ianês, responsável pelos desfiles de Alexandre Herchcovitch. Depois de um período trabalhando em projetos de styling em Nova York, a estilista voltou ao Brasil para ser sócia de Patrícia Zuffa e desenhar os figurinos de shows da cantora Ivete Sangalo.
"Este ano foi um Carnaval especial. Geralmente, penso a temática das fantasias do zero, fico totalmente livre para criar a partir de conversas com a Anitta. Mas ela trouxe agora o tema 'Guerreiras', buscando homenagear mulheres icônicas da história, o que exigiu muita pesquisa imagética e leituras", diz a estilista.
Clara faz uma investigação intensa de tecidos, cores, formas e proporções partindo das necessidades de movimento da artista no palco, da expressão que ela pretende transmitir no show e de sua personalidade própria. Também investiga longamente os muitos significados possíveis da referência a um personagem histórico numa fantasia a ser usada por Anitta. Por isso, consulta acadêmicos e estudiosos de cultura e imagem. Entre eles, o próprio Maurício Ianes, que faz doutorado em filosofia na Academia de Artes de Viena, na Áustria, na qual também é professor de Políticas da Visibilidade e do Espaço na Arte.
A cantora Anitta abriu a temporada de Pré-Carnaval com look inspirado em Tieta do Agreste, personagem principal de livro homônimo do escritor baiano Jorge Amado (1912-2001). Na narrativa, a protagonista é escorraçada de sua cidade natal por ser uma pessoa sexualmente livre. Foi eternizada na TV por Betty Faria e no cinema por Sônia Braga.
Para a apresentação do dia 8 de janeiro, no Rio, Anitta homenageou a bailarina italiana Franca Anna Maria Mattea Baderna, a Marietta Baderna. Nascida na Itália, a bailarina veio para o Brasil durante a ocupação austríaca no país no século XIX. Apaixonada pelas danças brasileiras, a bailarina incorporava toda a sensualidade das ruas às suas apresentações no palco, e seus seguidores ficaram conhecidos como baderneiros devido à empolgação com que recebiam a artista. Diante do conservadorismo da época, Marietta foi bastante atacada por críticos, empresários e políticos da época e seu nome virou sinônimo de "bagunça" até os dias de hoje.
No show do dia 14 de janeiro, na praia de Jurerê Internacional, em Florianópolis, Anitta subiu ao palco encarnando a cosmonauta Valentina Tereshkova, primeira mulher a viajar ao espaço, em 16 de junho de 1963, na nave Vostok 6. Após a missão bem-sucedida, ela recebeu condecorações de líderes não só soviéticos, como do mundo todo. Até os dias atuais, é a única mulher a ter feito um voo solo ao espaço.
Ana Maria de Jesus Ribeiro, mais conhecida como Anita Garibaldi, foi uma revolucionária brasileira, famosa por sua participação na Revolução Farroupilha e no processo de unificação da Itália, junto com o marido e revolucionário italiano Giuseppe Garibaldi. Para o figurino, Clara Lima se inspirou na pintura "Alegoria da Revolução - Anita Garibaldi, 1846", de Johann Moritz Rugendas. A bandeira foi usada como parâmetro para pensar na fluidez das roupas e nas cores, e a estilista ressignificou a camisa e a saia da revolucionária em um corselet dourado e em uma calça bombacha vermelha com recortes. O traje também é acompanhado de um lenço no pescoço, que representa os adereços usados pelos revolucionários comandados por Garibaldi, e um na cabeça a pedido da cantora Anitta. As botas longas são parecidas com as dos combatentes da época.
No show do dia 21 de janeiro, em Brasília, Anitta incorporou a personagem Barbarella, protagonista da história em quadrinhos para adultos de mesmo nome, criada em 1962 pelo ilustrador e escritor francês Jean-Claude Forest. A série virou filme em 1968 nas mãos do diretor Roger Vadim e transformou a atriz norte-americana Jane Fonda num sex symbol da época.
No último sábado (28), Anitta homenageou Maria Gomes de Oliveira, mais conhecida como Maria de Déa e, após sua morte, Maria Bonita. Maria Bonita foi uma cangaceira brasileira, companheira de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e a primeira mulher a participar de um grupo de cangaceiros. A stylist Clara Lima convidou outras duas estilistas e um artesão nordestino para colaborarem na criação e execução do figurino, entre eles a estilista Helô Rocha, responsável pelo visual da primeira-dama do Brasil, Janja Lula da Silva.
Para o sétimo figurino do Ensaio da Anitta, a cantora pediu à stylist que criasse a 'Guerreira Brasileira', para representar a mulher carioca das favelas, coincidindo com as suas próprias origens. Para isso, Clara quis resgatar a bandeira do Brasil, a fim de devolver esse símbolo à cultura nacional. A estilista pensou também num adereço de cabeça que retrata o Carnaval. Na roupa, inspirou-se na sensualidade, tanto feminina quanto da própria cantora, por meio de recortes em lugares estratégicos e usou tecidos importados bordados em cristais.