Quem são as cunhadas? Vídeos de esposas de presidiários viram febre

Mulheres casadas com presidiários mostram a rotina de apoio aos maridos no TikTok. “A gente está junto com eles por amor e não pelo crime”

Foto: Arquivo pessoal
As redes sociais se tornaram um ambiente de apoio as mulheres que enfrentam a solidão do afastamento dos seus parceiros.

O TikTok tem proporcionado cada vez mais visibilidade a grupos que antes eram ignorados, mas, que agora, conseguem conquistar um pouco mais de espaço e compartilhar suas histórias e realidades. Um deles são as esposas de homens encarcerados, as chamadas “cunhadas”, que se tornaram um sucesso na rede social, com vídeos que chegam a marcar, até o momento, 43 mil visualizações. Neles, as mulheres mostram a rotina de visitas à cadeia e cuidados com os companheiros. 

O termo “cunhada” não é nada novo. É usado já há bastante tempo, devido aos homens presos, muitas vezes, enxergarem os seus companheiros de cela como irmãos, sendo assim, suas esposas se tornam cunhadas uns dos outros. 

Quem são as cunhadas? 

Marta Carolina de 24 anos, possui um perfil no TikTok  com  232, 7 mil seguidores, onde ela compartilha a rotina dela. A mulher conta que conheceu o companheiro por amigos em comum e que no começo ela não gostou muito dele, mas que logo eles criaram uma forte amizade. 

“Essa história é engraçada, porque quando eu conheci o meu esposo, eu não gostava dele. Ele trabalhava para uma amiga minha e ela acabou nos apresentando, mas eu achei ele muito metido. Nós até discutimos no primeiro dia em que nos conhecemos. Mas depois de um tempo, eu acabei conhecendo ele e realmente gostei, criamos uma amizade”, diz Marta. 

Atualmente casados, ela relembra o impacto que sentiu ao ter o marido preso e que apesar do sentimento de solidão e luto que vivenciou, ela afirma nunca ter cogitado a ideia de abandonar o esposo. 

“Os policiais invadiram a minha casa, vasculharam tudo, mas eu falei para ele ficar em paz e disse ‘porque eu vou estar com você’. Em nenhum momento eu pensei em desistir do meu relacionamento ou da minha família. Eu sei que o que ele fez foi errado e sabia que iria doer e ser difícil, mas para ter a minha família de volta, eu vou ter que passar por tudo isso sozinha, sabendo que agora era só eu contra o mundo”, afirma. 

O sentimento de abono e solidão são frequente entre as companheiras de homens presos. Letícia Nascimento de 27 anos, foi uma das primeiras criadoras de conteúdo “cunhada”. Hoje com um perfil no TikTok com 128,5 mil seguidores, ela também vivenciou os mesmos sentimentos. Semelhante à Marta, ela conheceu o esposo por amigos em comum e acabou entrando em depressão após a prisão do marido. 

“Sofri muito, sofro até hoje, todos os dias eu luto contra os meus próprios pensamentos. Porque ele é meu companheiro de tudo, nos damos muito bem em todos os sentidos. A prisão dele foi muito triste para mim e é até hoje. Mas eu me mantenho sempre de  cabeça erguida”,  fala Letícia. 

Redes sociais como rede de apoio na internet

Letícia conta que não tinha o hábito de compartilhar com frequência a vida pessoal na internet, mas que um dia por acaso, decidiu postar a própria rotina e acabou encontrando uma comunidade que ofereceu o apoio em meio ao sentimento de solidão. 

“Eu não tinha nem costume de postar no TikTok, mas eu via outras pessoas publicando a própria rotina e eu pensei por que não fazer da minha realidade? O que eu estou vivendo? E aí  bombou, eu acordei e estava viralizada, as pessoas estavam gostando. Hoje muitas meninas já se inspiram em mim. Chega até ser engraçado quando algumas me pedem para tirar foto ou quando eu respondo elas no Instagram e elas dizem ‘eu não acredito que você me respondeu’. Eu ainda não acostumei ainda com essa repercussão”, conta. 

Marta foi uma das mulheres que acabaram se inspirando no conteúdo “cunhada”, vendo como as postagens de outras mulheres que vivem a mesma realidade do que ela que a consolava, ela decidiu também a compartilhar o seu dia a dia. 

“Quando eu comecei a fazer vídeo na internet, eu me espelhei em algumas meninas que eu vi de outros estados, elas postavam memes sobre ter relacionamento com preso, sobre as visitas e aquilo meio que me tirou da tristeza que eu estava naquele momento, me deu uma força muito grande. Por isso, comecei a postar sobre os meus perrengues, como no dia em que eu não entrei no presídio. Eu sempre quis pegar o meu sofrimento e de alguma forma transformar ele em ajuda para  outras pessoas iguais a mim. Quando eu comecei eu estava completamente sozinha e perdida e não teve ninguém para me dar um apoio e me estender a mão. Eu me sinto na obrigação de  alguma maneira ajudar essas meninas, porque elas também me dão muita força”, diz Marta. 

Abandono da família e do estado 

A realidade para muitos detentos é o completo abandono do estado e da família após o encarceramento, o que acaba por dificultar a ressocialização destes homens quando eles saem da cadeia. Para a Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais, Magali Gláucia Oliveira, alguns dos problemas enfrentados pelos presidiários e as famílias é a dificuldade ao acesso às casas penitenciarias e a falta de profissionalização  desses detentos. 

“Existem presídios com grandes dificuldades de acesso, normalmente não passa ônibus, ou circular próximo desses lugares, ou se passa é apenas uma vez ao dia. O que acaba por ser muito custoso e muito difícil para muitas famílias.  Além disso, a falta de mais trabalho nos presídios, que possibilitaria uma reinserção social, também se toram facilitadores para que esse homem volte à criminalidade”, explica a especialista. 

Em seus vídeos, Marta, uma das cunhadas, aborda com propriedade essa realidade e tem consciência sobre a importância do apoio familiar para que a pessoa em situação de encarceramento não volte ao crime após ser liberto. 

“A gente está junto com eles por amor e não pelo crime. O homem quando ele cai na unidade prisional, ele fica muito carente e acaba criando uma ilusão na mente dele, em que eles muitas vezes acreditam que realmente vão sair daquela vida. Porém, quando são libertos, eles acabam voltando a cometer os mesmos erros. É o que eu falo para o meu marido, não adianta tá lá dentro e falar que mudou, eu vejo a mudança quando estiver na rua, no dia a dia dele. A gente conhece a mulher e o homem quando ele vem para rua e ganha liberdade” declara Marta. 

Mulheres encarceradas não recebem o mesmo apoio 

Embora as mulheres demonstrem lealdade e companheirismo aos seus parceiros, o mesmo não acontece quando as mulheres são presas. Em muitos casos, elas são abandonadas por seus parceiros. Segundo a advogada Magali Gláucia Oliveira, existem diversos fatores que contribuem para esse abandono, como a idealização de fragilidade feminina, a dificuldade de deslocamento até os presídios e a falta de visitas intimas em muitas penitenciárias femininas. 

“Os homens quando tem uma mulher presa, eles se afastam imediatamente em sua maioria, porque para eles é um absurdo ter uma mulher que não cumpriu com o seu papel de fragilidade imposto socialmente. Outro dificultador são o pequeno número de penitenciarias femininas, o que faz com que diversas mulheres sejam presas em lugares muito distantes de suas famílias. Além disso, muitos desses presídios não permitem visitas intimas”, esclarece Oliveira.

Magali também afirma que o abandono do estado com pessoas encarceradas se intensifica com as desigualdades de gênero, especialmente por essas mulheres romperem com as expectativas sociais colocadas sobre o sexo feminino. 

“A mulher que cometeu um crime ela é muito mais julgada do que um homem na mesma situação. Porque ela rompe com aquilo que entendemos como  ‘feminilidade’. Com o papel dela de mãe, protetora e cuidadora. Se tornando esquecida e invisibilizada muito mais do que o homem infrator”, conclui a advogada. 

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