Há dez dias, Andrielli Amanda dos Santos, 21, não pode amamentar a filha Suzi. Desde o dia 28 de julho, quando teve a filha tirada dos seus braços por ordem da conselheira tutelar Juliana Vandresen Lobo, Andrielli não pode se aproximar da recém-nascida. A justificativa para a situação é baseada no histórico de Adrielli, que já perdeu poder familiar de dois filhos em processos de destituição.
“Denunciamos a violência e argumentamos em defesa da amamentação, o quanto é importante e que não pode ser adiada, mas nada disso foi suficiente para a juíza e promotor se sensibilizarem. A fala deles foi no sentido de que ‘já conhecemos e sabemos que ela tem destituição de duas crianças. Só vamos nos manifestar durante o processo’. O judiciário catarinense lavou as mãos”, disse a advogada de Andrielli.
Suzi foi levada para um destino que só foi revelado cinco dias após o acolhimento, em uma reunião realizada a pedido de Anne Teive, defensora titular do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina (Nudem/SC).
Na última segunda-feira, dia 2, quando ocorreu a reunião para sensibilizar a justiça catarinense a devolver a criança ou liberar a mãe para visitá-la, não existia nenhum processo oficializado sobre o caso. Tanto o promotor quanto a juíza foram firmes em não atender à súplica feita pela advogada Iris Gonçalves, pela coordenadora da Bancada Feminina da Alesc, a deputada Luciane Carminatti, e pela própria defensora.
O Ministério Público de Santa Catarina afirmou ao portal Catarinas que o acolhimento sem prévia determinação judicial, quando em caráter excepcional e de urgência, está previsto no artigo 93 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). A comunicação do fato, porém, deve ser feita em até 24 horas à Vara da Infância e da Juventude, mas no caso do acolhimento de Suzi, o relatório foi apresentado judicialmente apenas seis dias após a separação da mãe e da filha.
Pelo direito de ser mãe
Adrielli engravidou pela primeira vez aos 13 anos, o que, de acordo com a lei, caracteriza gestação resultante de abuso de vulnerável, situação dá direito ao aborto legal. A segunda gestação foi aos 16, e Andrielli precisou lidar com a morte da filha logo após o nascimento. A terceira gravidez foi aos 18. O nascimento de Suzi seria uma oportunidade de finalmente exercer o direito à maternidade.
Andrielli se manifestou dizendo que “dói muito eu ter gastado noites e noites acordada lendo páginas, vendo vídeos sobre a maternidade e saber que foi em vão porque não tive a oportunidade de praticar. Dói eu saber que as pessoas que estavam grávidas comigo, agora estão com seus bebês nos braços e eu não”. O psicólogo que atua junto ao movimento da população de rua, Gabriel Amado, assistiu o parto e tentou impedir o acolhimento de Suzi. Segundo ele, o desejo da mãe, apoiada por uma rede de pessoas dispostas a lhe ajudar, não foi respeitado.
“Se o conselho tem dúvidas que faça um estudo social, mas não faça esse grau de violência que leva a consequências à saúde mental da mãe, o que depois pode ser usado para justificar a própria destituição”, diz ele. Marcelo Scherer da Silva, defensor público titular da 21ª Defensoria Pública da Capital, tenta reverter esse afastamento para conseguir, no mínimo, a visita da mãe à criança, e consequentemente o direito da amamentação.
“Esse afastamento dentro da maternidade foi injustificável. A criança ficou sem amamentação, sem o contato pele a pele que é importante para a imunidade, sem a possibilidade da certidão de nascimento realizada pela mãe. Ela está até agora sem certidão de nascimento, só com a de nascido vivo”, declara ele.
O defensor público explica ainda que casos de acolhimento hospitalar não são raros, e normalmente ocorrem quando a mãe está em situação de rua ou abusa do uso de drogas. “Ela já tinha uma rede de pessoas que a acompanhavam e estavam dispostas a se movimentar em favor dela. Independentemente de quem a mãe é ou deixou de fazer, ela estava disposta a cuidar da criança e amamentar, diferentemente de pessoa que tem tom ameaçador quando chega ao hospital”, afirma.
A Defensoria Pública de Santa Catarina atua em duas frentes nesse caso. O Nudem busca a responsabilização pelo Conselho Tutelar e Hospital Universitário pela violência obstétrica resultante da ação. Com base na Lei Estadual Nº 17.097, de 2017, que caracteriza essa violência, “retirar da mulher, depois do parto, o direito de ter o bebê ao seu lado no Alojamento Conjunto e de amamentar em livre demanda, salvo se um deles, ou ambos necessitarem de cuidados especiais”.
Outra atuação vem do Núcleo da Infância e Juventude, Direitos da Pessoa Idosa e da Pessoa com Deficiência (NIJID) para investigar se o acolhimento e suspensão de visitas estão sendo aplicados como regra na rede de proteção à infância da capital.
De acordo com Enio Gentil Vieira Júnior, advogado da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina que atua no ajuizamento de guarda para família extensa ou ampliada, o avô paterno de Suzi está interessado em assumir a guarda dela. Gentil é responsável pelo encaminhamento do registro paterno, e diz que “Andrielli é resultado de uma rede frágil, porque foi atendida pela rede desde sempre, ela foi acolhida institucionalmente muito cedo”.
Ele também é presidente da Comissão da Criança e Adolescente da OAB/SC, e está buscando mais informações para elaborar seu parecer. “Há muita chance da criança voltar e Andrielli precisa ser orientada sobre adesão a determinados acompanhamentos. É importante que ela ajude nessa recuperação, porque num determinado momento vai depender somente dela e não da rede”, diz.
O advogado explica ainda que, apesar do ECA ter como princípio o estímulo à vida familiar e comunitária prioritariamente, desde o final de 2017, com a Lei Nº 13.509, ocorreu certa preferência na colocação em adoção. “A destituição é um tipo de decisão trágica que é difícil. Para a criança ser destituída precisa do contraditório da mãe. A decisão tem que ter como foco a Suzi. A Andrielli tem interesse legítimo, mas o foco é a criança”, conclui.