Você provavelmente já assistiu a um filme ou uma série em que um dos personagens participa de uma sessão de terapia na qual é hipnotizado, entra em um estado de transe profundo, vasculha memórias guardadas no fundo da mente e acorda assustado após se lembrar de algo perturbador. Na vida real, a terapia regressiva também envolve a hipnose, mas não é bem assim que a coisa funciona.

A terapia regressiva se utiliza de hipnose, uso de floral e mais métodos para resgatar a energia vital
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A terapia regressiva se utiliza de hipnose, uso de floral e mais métodos para resgatar a energia vital

Ao contrário do que é mostrado no mundo do entretenimento, este tratamento não é algo a ser usado de forma leviana. De acordo com a psicanalista transpessoal Martha Mendes, que trabalha com a técnica há 26 anos, ela não pode ser empregada para satisfazer a curiosidade de alguém, e, assim como outras abordagens psicoterápicas, tem contraindicações e deve ser administrada por um profissional treinado .

Como funciona a terapia regressiva?

Você está entrando em sono profundo e quando eu contar até três... Não, não é assim que o processo acontece. Utilizada no tratamento de distúrbios que atrapalham o bem-estar da pessoa, como ataques de pânico, ansiedade e depressão, a técnica se utiliza de diversos métodos – que vão além da hipnose – para fazer com que o paciente acesse os “porões” da memória e faça as pazes com o passado, sendo então capaz de deixar traumas para trás.

Para entender como esse método funciona, porém, é preciso compreender como uma situação traumática pode afetar a vida de alguém. Por muito tempo, ficar parada no trânsito em São Paulo era desagradável para a publicitária Ane Amorim. Após passar um período fazendo um trajeto que incluía uma região perigosa da cidade, no entanto, Ane começou a ter diversos sintomas que chegaram a levá-la ao hospital.

“O trauma era ficar parada no trânsito. Fiquei um ano passando na região da Cracolândia, no centro, levava e buscava minha filha, que cantava na OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo). Não consegui mais dirigir por quase dois anos”, conta.

Martha afirma que situações traumáticas – como um abuso, uma cirurgia ou um estresse constante – mexem com a energia vital da pessoa; de acordo com a psicoterapeuta, obstáculos e traumas fazem com que as pessoas percam partes dessa energia constantemente.  

“Trauma significa uma ferida aberta e infeccionada que, ao menor esbarro, dói, levando a reações desproporcionais”, afirma a psicoterapeuta. Segundo a profissional, o cérebro humano armazena a emoção vivenciada e, na presença de algo que desperta o trauma, essa carga emocional é acionada, fazendo com que o corpo se mobilize para se defender.

Isso acaba dificultando a compreensão e a interpretação da situação, gerando uma desordem no cérebro e fazendo com que o hormônio do estresse seja liberado. Ane explica que passar por aquela região fazia com que ela ficasse triste e um tanto amedrontada com a situação das pessoas que vagavam por ali, e que, em uma das vezes, precisou parar o carro e pedir que alguém fosse buscá-la.

Até então, ela não tinha noção do que exatamente estava gerando os ataques de pânico e, de acordo com Martha, encontrar a causa do problema é o objetivo da regressão. “A terapia regressiva usa a tensão, a dor e outras dificuldades do cliente para acessar o conteúdo que deu origem à dificuldade”, esclarece a terapeuta.

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Ferramentas, técnicas e o “curador interno”

Martha enfatiza que, apesar desta terapia ser um recurso incrível e bastante funcional, não existe uma “fórmula mágica” que funcione em todos os pacientes; segundo ela, é necessário buscar a abordagem e as ferramentas ideais para cada pessoa.

A psicoterapeuta afirma também que o profissional está ali apenas para conduzir o processo e que o paciente é a única pessoa capaz de alcançar a cura. A regressão em si é uma ferramenta que possibilita a “higienização da ferida”, ou seja, a compreensão da influência que aquele sentimento tem no dia a dia da pessoa em tratamento e, consequentemente, o resgate da energia que foi perdida ou ficou “bloqueada” no momento da situação traumática. Para isso, o profissional treinado dispõe de uma série de mecanismos.

Hipnose

Ao contrário do que se imagina, a hipnose – neste caso – não é um estado de sono profundo em que é possível manipular a pessoa que está sob o efeito dela. De acordo com Martha, o processo recebe o nome de hipnose clínica. “Eu utilizo os recursos do cliente, a fala dele, por exemplo. Não vou colocar nenhuma sugestão, vou aproveitar o que ele conta”, afirma.

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Como qualquer outra ferramenta utilizada no processo da regressão, a forma como o terapeuta conduz aquilo vai depender das características do paciente . Segundo Martha, a forma com a qual o indivíduo interage com o meio (preferindo sons, tato, olfato, etc.) dita a condução feita pelo profissional pela memória.

“Se você é uma pessoa sinestésica, não adianta eu falar para você: ‘ouça’, ‘veja’. Eu vou falar: ‘sinta’. Se a pessoa for mais auditiva, vou falar: ‘ouça’, e por aí vai”, explica ela. Ane explica que a experiência é surpreendente . “Fui operada quando tinha seis anos de idade e visitei essa época em minha memória.

Me via no apartamento em que morava, no sofá da sala que gostava de sentar... Você vai descrevendo e sente até o cheiro, é incrível”, afirma, ressaltando que, em dado momento, passou a interagir com a lembrança.

Martha ressalta que, durante a hipnose, o paciente permanece consciente enquanto todos os sentidos trabalham em conjunto, mas que para funcionar, é preciso que a pessoa esteja aberta a isso. “A pessoa só é hipnotizada se ela aceitar ser. Não existe uma fórmula mágica e tem gente que você não vai conseguir hipnotizar nunca”, completa.

Bioeletrografia e florais

De acordo com Martha, a perda de energia que ocorre quando as pessoas enfrentam obstáculos e situações traumáticas em geral, pode ser mapeada. Isso é feito a partir de processos como a bioeletrografia .

A psicoterapeuta afirma que o processo é utilizado há muito tempo na Rússia e que consiste no registro fotográfico de gases e vapores que saem pelas pontas dos dedos. Dessa forma, é possível descobrir que tipo de situação está fazendo com que aquela pessoa perca energia.

“A gente identifica traumas, ciúme... Tem gente que perde toda a energia vital assim”, afirma Martha. O floral, por sua vez, funciona como um catalisador , ou seja, um instrumento utilizado para acelerar um processo. De acordo com a terapeuta, quando bem administrado, o floral organiza energias e faz com que memórias guardadas no inconsciente venham à tona.

“Ele não vai dizer: ‘meu trauma é isso’, vai trazer lembranças que, quando trabalhadas pelo terapeuta, fazem com que a pessoa comece a desenrolar um novelo ”, conta. Muitas vezes, a memória que o floral traz à tona vem em formato de sonhos.

“Sonhos trazem pedacinhos da memória com símbolos que estão configurando essa memória. Só quem sabe a respeito do sonho é quem sonhou, o terapeuta vai trabalhar com esse material”, explica.

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A cura

Após quase dois anos sem dirigir, Ane encarou seu trauma durante os seis meses de terapia regressiva e finalmente retomou as atividades normalmente. No caso dela, o processo foi indicado por um médico após a publicitária apresentar os sintomas da síndrome do pânico, mas, segundo Martha, algumas pessoas acabam esbarrando nessa modalidade de tratamento por curiosidade e se beneficiam com isso.

“Muitas vezes, o cliente lembra de um momento traumático específico e diz: ‘minha depressão começou em...’ ou ‘minha ansiedade tem nome'. Entretanto, se ainda há dificuldade, significa que existe algo que ele não sabe, que está no subconsciente e, ao menor gatilho, dispara a carga tensional”, afirma.

Tanto a terapeuta quanto Ane ressaltam a importância de desmitificar esse processo. “Senti muito medo de fazer o exercício. Tem muita fantasia envolvida nessa questão de regressão, mas isso é um exercício feito com um profissional competente que vai te auxiliar a rever a situação com outro olhar”, finaliza Ane.

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