Gabriel Araújo Marins Rodrigues, o cantor Biel, de 20 anos, foi denunciado por uma repórter do Portal iG (cuja identidade está protegida por determinação policial) na 1ª Delegacia da Mulher de São Paulo por assédio sexual, ao chamar a jornalista de “gostosinha” e dizer que “a quebraria no meio” se mantivesse relações sexuais com a profissional. Segundo a delegada titular Giovanna Valenti, há fortes evidências de que a jovem de 21 anos tenha sido vítima do crime.
+ Tudo sobre a denúncia de assédio contra Biel
A investida de Biel ocorreu em maio deste ano, durante entrevista para divulgação do novo CD do artista, na capital paulista. O contato da repórter com o cantor se deu em dois momentos e foi testemunhado por outras pessoas que acompanhavam a conversa. O diálogo também foi gravado em áudio e video, material entregue à polícia como prova no processo de investigação.
A gravação em áudio registra Biel respondendo a diversas perguntas sobre o novo trabalho e sua vida pessoal. Acompanhando a entrevista de outro repórter, a jornalista do iG menciona ter quase a mesma idade do artista, que retruca: "Idade não significa nada. Se te pego, te quebro no meio".
Já no registro em vídeo, o cantor deveria comentar as frases mais comuns relacionadas a seu nome e que aparecem com mais frequência no Google.
Na ocasião, a sentença mais buscada era a pergunta “Biel é bi?”. "Por quê? Você quer que eu te mostre com atos e ações?", rebate o cantor na filmagem, deixando a repórter visivelmente constrangida. Após elaborar melhor a resposta, ele conclui: "E eu sou heterossexual. Eu gosto é de boceta".
Risos são ouvidos ao fundo, enquanto uma pessoa que acompanha a filmagem justifica a atitude. "Ele está com sono." Outro diz: "Relaxa, ele é assim mesmo".
"Gostosinha"
Em outro momento do vídeo, o próprio artista entrega seu celular à repórter e solicita que ela atenda a uma ligação durante a entrevista. Após dizer a um amigo de Biel que "ele está concedendo uma entrevista e ligaria depois", a repórter devolve o aparelho ao artista e é chamada por ele de "cuzona".
Em seguida, Biel volta a pegar o aparelho e inicia uma conversa em vídeo com o tal amigo, na qual define a repórter. "Mano, que ramelona essa mina, mas dá um desconto porque ela é gostosinha", diz o cantor, na frente de todos os demais ouvintes. Na sequência, ao ser questionado pela repórter se dava selinho em fãs, ele responde: "Sim, você quer que eu te dê um (selinho)?". A jovem responde que "não".
Uma das pessoas que acompanharam a cena afirma, sob condição de anonimato, que a repórter se mostrou bastante desconfortável durante toda a conversa. "Ela ficou visivelmente incomodada, mas deu uma risadinha e eu também, para quebrar esse climão. Depois, na hora que fui embora, percebi que ela estava chocada, visivelmente nervosa. O que ele disse me incomodou – e sou homem. Como não incomodaria ela, que é mulher?", questiona.
Estou lutando para poder fazer o meu trabalho e esse tipo de coisa não acontecer mais, pelo direito de ser respeitada”
A repórter explica que a denúncia contra Biel é pelo direito de ser respeitada, uma luta "para poder fazer o meu trabalho e esse tipo de coisa não acontecer mais".
“Após o assédio sexual, todo mundo me deu apoio e falou para registrar boletim de ocorrência, para expor mesmo e não deixar passar batido. Quero que nenhuma outra mulher passe por isso, e nem eu, de novo", justifica-se.
Assédio sexual
Representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman teve acesso ao teor da denúncia e às provas e explica que as atitudes de Biel devem ser classificadas como assédio sexual. "Usar palavras de baixo calão e de conotação sexual estando em posição superior ou de poder em relação à mulher comprovam o assédio sexual neste caso. Já vi muito isso no universo artístico, acompanhei muitos casos de famosos denunciados”, ressalta Nadine.
"Parece difícil, mas é simples identificar o assédio sexual. Se a conduta é aceita pela mulher, é paquera ou namoro, é bacana. Mas se ela diz não, é não. Os homens, especialmente, têm de entender que as duas partes precisam concordar. Se uma delas não concorda, é assédio, é violência."
Para a representante da ONU Mulher, "esses homens estão bem distantes de suas reais responsabilidades porque têm sempre alguém que responde por seus atos, alguém que senta sobre os processos e leva a punição no lugar deles. Assim, geralmente esses homens se sentem superiores por causa dessa sensação de impunidade.”
Assédio contra repórteres mulheres
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Atualmente dedicada a um trabalho feito com jornalistas mulheres, Isabel Clavelin, que já foi responsável pela comunicação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do governo federal e representante da ONU Mulher no Brasil, garante ser comum que repórteres sejam vítimas de assédio sexual em suas carreiras.
"Tenho conversado com muitas jornalistas e vejo que a reação quase geral delas nesses casos é: 'Não vou dar bola'”, lamenta. “Está errado. Essas mulheres têm de ser cuidadas e acompanhadas para verificar se ficou algum trauma. É sua carreira e independência que estão em jogo."
Isabel reforça a necessidade de assuntos como o assédio sexual serem debatidos e encarados de frente na mídia. "A gente sabe que falar de maneira apropriada sobre esses fatos aumenta a consciência das pessoas para refletir sobre os pactos sociais", opina ela, responsável pelo projeto "50 por 50" da ONU, iniciativa global com o objetivo de alcançar a igualdade de gênero em todo o mundo até 2030.
Denunciar é necessário
Para a representante da ONU Mulheres no Brasil, denunciar é o melhor caminho para mudar a realidade e promover a igualdade de gênero.
"O assédio é um tipo de violência que precisa de punição proporcional e, posteriormente, de um trabalho com os agressores para promover a recuperação dessas pessoas para que elas sirvam de exemplo futuramente do comportamento certo”, avalia ela.
“Por isso, é bom falar, é bom que a mídia fale, denuncie e divulgue, poupando a vítima sempre. Isso vai fazer com que outros casos, inclusive de famosos, apareçam, e que a vida das mulheres não seja mais marcada por esses acontecimentos.”
Os homens, especialmente, têm que entender que as duas partes têm que concordar. Se uma delas não concorda, é assédio, é violência"
Levantamento divulgado pela Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 aponta que houve aumento de 44,74% no número de relatos de violência recebidos pelo serviço em 2015 quando comparados ao ano anterior. No total, foram 76.651 atendimentos correspondentes a relatos de violência recebidos pelo serviço de denúncias anônimas da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos.
Os números ainda mostram que o total de relatos envolvendo cárcere privado cresceu 325%, computando a média de 11,8 registros por dia, enquanto as denúncias de violências sexuais (estupro, assédio e exploração sexual) cresceram 129%, em uma média de 9,53 por dia.
Outro lado
Intimado a depor, Biel compareceu à delegacia há poucos dias e já foi ouvido. O próximo passo da investigação é ouvir as testemunhas. Em seguida, o Ministério Público deve formalizar a denúncia à Justiça. De acordo com a delegada Giovanna Valenti, um caso como o sofrido pela repórter leva cerca de um ano para ser concluído.
Ao tomar conhecimento da denúncia, o presidente da Warner Music Brasil, Sergio Affonso, entrou em contato com o iG espontaneamente. O representante do cantor classificou o acontecimento como "lamentável" e "fora do contexto atual de lutas pelos direitos das mulheres". Ele também se colocou à disposição da repórter para "qualquer coisa".
Camila Pitanga
Embaixadora da ONU Mulheres Brasil, Camila Pitanga também engrossa o coro em favor dos direitos das mulheres brasileiras, da igualdade de gênero e do empoderamento às mulheres durante todos os dias do ano. “Você, homem, mulher, governo, sociedade, é capaz de dar este presente? Reconhecer que temos os mesmos direitos? Que este dia te estimule a repensar”, propõe a atriz em vídeo divulgado pela organização.
Temos de quebrar o ciclo perverso da violação de direitos das mulheres"
“Temos de quebrar o ciclo perverso da violação de direitos das mulheres", faz coro Nadine, da ONU. "Isso implica mudanças concretas e diárias dentro de casa, na maneira como as pessoas vivem, nas estratégias e nos investimentos em políticas públicas, no avanço de leis que garantam os direitos das mulheres, na responsabilidade de empresas para enfrentar barreiras que ainda impedem salário igual e mais poder para as mulheres desenvolverem suas carreiras."
Biel se encontra atualmente no auge da carreira. Somente seus videoclipes já contabilizam 243 milhões de visualizações na internet. A música "Química", do álbum "Juntos Vamos Além", faz parte da trilha sonora da nova novela da sete da TV Globo, "Haja Coração", e do filme "Uma Loucura de Mulher", estrelado por Mariana Ximenes.
Seguido por seis milhões de seguidores no Instagram e mais de quatro milhões no Facebook, o cantor possui diversos fã-clubes. "Sei que muita gente vai falar: 'Ela é sortuda, eu queria estar no lugar dela, ele fez um elogio para ela", diz a repórter vítima do assédio. "Mas estou preparada para esse tipo de opinião das pessoas. Não silenciarei diante do que me aconteceu."
* O Portal iG
e seus funcionários repudiam qualquer forma de assédio ou agressão à mulher, bem como qualquer tipo de violência ou preconceito contra o ser humano.
Sempre que nos depararmos com esse tipo de acontecimento, denunciaremos de imediato às autoridades competentes.
Atualização:
No domingo (5) pela manhã, após a repercussão do caso, Biel se manifestou pelas redes sociais e chamou de "brincadeira" as investidas na repórter. "Machista? Nem homem me considero ainda pra ser prepotente ao ponto. Sou um menino, menino que brinca, menino sem papas na língua, menino que sorri", escreveu.