Cólicas fortes, dores durante a relação sexual e até dificuldade para engravidar são alguns dos sintomas da endometriose, doença inflamatória no útero em que um tecido similar ao endométrio cresce fora do órgão, e que acomete cerca 190 milhões de mulheres em idade reprodutiva em todo o mundo, segundo a OMS, o equivalente a uma em cada dez pessoas.
O tecido endometrial pode se desenvolver em órgãos como os ovários, trompas de Falópio e até mesmo em áreas distantes, como o intestino ou a bexiga. A endometriose afeta de 10% a 15% das mulheres em idade reprodutiva. Um dos sintomas mais comuns dessa condição é a dor intensa durante a menstruação, conhecida como dismenorreia, que pode se tornar incapacitante para algumas pacientes.
Segundo a Associação Brasileira de Endometriose, mais de 30% dos casos dessa condição levam à infertilidade. Com os tratamentos disponíveis, no entanto, é possível que uma mulher diagnosticada com endometriose engravide e leve a gestação até o final.
Além da dor menstrual, as mulheres com endometriose frequentemente experimentam dor durante a relação sexual, chamada dispareunia. Isso ocorre devido à presença do tecido endometrial em locais não naturais, o que pode causar irritação e inflamação durante o contato íntimo. Essa dor pode afetar significativamente a qualidade de vida das pacientes e até mesmo interferir em suas relações interpessoais, explica a médica ginecologista Jaqueline Neves.
Cerca de 7 milhões de brasileiras (dados da Organização Mundial da Saúde em 2023) em fase reprodutiva sofrem com as consequências da endometriose, doença pélvica causada pelo crescimento do tecido interno do útero – o endométrio – para fora do órgão e que pode atingir ovários, bexiga, intestino e trompas, além de outras partes do corpo. Além da inflamação crônica, a condição pode levar à infertilidade, já que a maior incidência da doença acontece durante a fase reprodutiva.
“Algumas doenças femininas são diagnosticadas de forma tardia”
O médico e professor de ginecologia na Unigranrio Afya, Ricardo José de Souza, explica que assim como nos casos da síndrome de ovários policísticos e a depressão pós-parto, uma mulher com endometriose pode levar até 10 anos para ter seu diagnóstico confirmado:
“Vários fatores podem contribuir com esse atraso, como o ato de subestimar ou de interpretar erroneamente os sintomas, aliado à dificuldade de acesso a exames mais elaborados, como a ressonância magnética, ultrassonografia com preparos especiais e a centros especializados no tratamento da doença. Muitas vezes os sintomas iniciais podem ser confundidos com doenças gastrointestinais e cólicas menstruais ‘um pouco mais intensas’, contribuindo com o atraso no diagnóstico”, comenta o ginecologista.
A falta de políticas públicas específicas para endometriose e outras doenças do trato feminino também prejudicam o sucesso do controle das enfermidades. “Existem poucos serviços públicos com pessoal especializado no problema, que exige um atendimento multidisciplinar, fisioterapeutas, psicólogos, enfermeiros e médicos”, salienta Souza.
“A endometriose não tem cura definitiva, mas os sintomas podem ser gerenciados com tratamento. O acompanhamento ginecológico inclui terapias hormonais, medicamentos para alívio da dor e, em alguns casos, cirurgia para remover os focos de endometriose”, explica Flávio Costa.
Segundo o médico, as principais causas da endometriose ainda não são totalmente compreendidas. “Fatores genéticos, hormonais e ambientais podem desempenhar um papel. Então a doença pode ocorrer por predisposição genética, mas também pode ser adquirida. Existe uma hipótese muito aceita chamada menstruação reversa”, destaca Flávio. O problema citado pelo médico, também conhecido como menstruação retrógrada, acontece quando o corpo não consegue eliminar o endométrio que extravasa para a cavidade pélvica, formando os focos de endométrio fora do útero.
As dores não precisam ser, necessariamente, no aparelho reprodutor
Segundo a Associação Brasileira de Endometriose (SBE), 57% das pacientes têm dores crônicas. Ricardo José de Souza fala que é comum que esses sintomas apareçam na adolescência no formato das temidas cólicas menstruais, que podem se agravar ao longo da vida. Ele completa:
“A dor pélvica não relacionada à menstruação também pode estar presente em muitas mulheres, assim como a dor na relação sexual. Eventualmente, sintomas urinários, como vontade de urinar súbita, dor na região da bexiga ou sintomas intestinais, como diarreia e até sangue nas fezes também podem estar presentes”. Em alguns casos, as portadoras da endometriose passam ilesas pelas dores: “Algumas mulheres têm pouco ou nenhum sintoma, podendo ter apenas dificuldade para engravidar”, indica o especialista.
Como descobrir a endometriose e como amenizar os sintomas
Dores intensas tendem a ser o principal motivo a levar as mulheres ao consultório médico em busca de um profissional de ginecologia. O diagnóstico da endometriose, segundo Flávio, “envolve uma combinação de história detalhada da paciente, exames físico e de imagem, como ultrassonografia, ressonância nuclear magnética e, em alguns casos, laparoscopia”.
"Os hábitos alimentares e a prática de exercício físico podem impactar na doença. Uma dieta equilibrada e a prática regular de exercícios tende a ajudar a reduzir a inflamação e aliviar os sintomas. Além disso, certos alimentos podem ser evitados para minimizar os sintomas, enquanto outros devem ser incluídos para promover a saúde geral”, afirma Flávio.
Em geral, mulheres com endometriose devem manter uma alimentação mais saudável para amenizar os desconfortos da doença, evitando alimentos com alto teor de açúcar refinado, ultraprocessados, carnes vermelhas, glúten e laticínios, optando pelo consumo de alimentos com propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias.
Apesar da doença estar diretamente ligada com a saúde do útero, o médico reforça que “mulheres com endometriose podem engravidar, mas pode ser mais difícil para algumas, dependendo de onde esteja o foco da endometriose. O tratamento e o acompanhamento médico podem ajudar a melhorar as chances de concepção”, afirma Flávio.
Como a endometriose afeta a vida das portadoras?
A doença influencia diretamente em atividades cotidianas das mulheres que enfrentam a condição. A ausência no trabalho e nos estudos, o afastamento da vida social e a saúde mental abalada são coisas reais para quem convive com as dores e com as consequências da endometriose.
Maria Lúcias Dias, professora de ensino infantil, conviveu com os inconvenientes da doença por mais de 30 anos. Ela relata que já deixou de participar de atividades em família, ouviu “piadas” relacionadas à situação e teve dificuldades para engravidar nos primeiros anos de casada:
“Casei com 28 anos e só consegui ter meu primeiro filho aos 38. A pressão sobre filhos ainda era uma pauta forte nos anos 80 e 90, como uma mulher casada por 10 anos ainda não tinha bebês. Fiz os exames para começar o tratamento para engravidar e descobri que tinha endometriose, todas dores e perrengues da adolescência fizeram sentido. Às vezes, eu precisava descansar um pouco no trabalho, passava mal na sala de professores e tive que ouvir que cólica era ‘gracinha’ de um colega super instruído”, relembra a professora.
O diagnóstico correto e o tratamento bem acompanhado são determinantes para o bem-estar das pacientes, feitos por investigação médica e exames clínicos e de imagem.
Quais são os tratamentos mais eficazes?
Como ainda não há métodos de prevenção contra a endometriose porque, segundo Ricardo de Souza, “porque a causa ainda não é bem compreendida pela ciência”, as terapias hormonais e a adoção de um estilo de vida saudável são as mais aplicadas no trato às pacientes. O uso de anticoncepcionais para bloquear a produção de hormônios ovarianos, a manutenção de um peso saudável, a prática de exercícios físicos regularmente e uma dieta equilibrada são meios de controle o crescimento do tecido anormal.
O ginecologista explica que sempre é preciso avaliar a extensão da doença, a gravidade dos sintomas e a localização dos tecidos invasores para que se chegue ao tratamento ideal. Caso as medidas anteriores não sejam eficazes, a intervenção cirúrgica é uma opção válida.
“Com a cirurgia é possível, na maioria das vezes, retirar todas as lesões de endometriose e melhorar a qualidade de vida da mulher. Os hormônios ajudam a controlar o crescimento da doença, mas ainda não são capazes eliminar o implante do tecido”, conclui o especialista.
Vale destacar que a mulher deve se atentar aos sinais do próprio corpo, se há alterações no ciclo menstrual, nos hábitos intestinais e urinários. Afinal, saber como funciona o organismo é um dos maiores aliados da qualidade de vida.
Embora a endometriose seja uma condição crônica e sem cura definitiva, muitas mulheres encontram alívio dos sintomas com o tratamento adequado e o acompanhamento médico regular. “A conscientização sobre essa condição é fundamental para garantir que as mulheres obtenham o apoio necessário para lidar melhor com a sua saúde ginecológica. Para isso, é essencial que elas estejam atentas aos sintomas e busquem orientação médica se notarem qualquer irregularidade em sua saúde menstrual ou experimentarem dor crônica”, esclarece Jaqueline Neves.
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