Apesar do crescimento de mulheres em cargos de chefia nos últimos anos, no Brasil, apenas 17% ocupam cargos de presidência, de acordo com o Panorama Mulheres 2023, realizado pelo Talenses Group, em 2019 este número era de 13%. A maioria delas está em empresas de pequeno porte, familiares, de capital fechado e no setor de serviços. Quanto maior a empresa, menor a participação de mulheres na liderança.
A remuneração também reflete desigualdades de gênero, com homens recebendo 25,3% a mais do que elas, conforme dados de 2023, divulgados pelo IBGE. O favorecimento histórico deles no mercado de trabalho é alvo da Lei 14.611/23, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2023. A legislação garante a equiparação salarial entre profissionais, com estabelecimento de mecanismos de transparência salarial. De acordo com o relatório Percepção sobre Direitos Humanos e sobre mulheres defensoras de direitos humanos, 95% das pessoas concordam que ambos os gêneros devem ter o mesmo salário quando exercem a mesma função.
Embora haja o avanço no tema sobre a equiparação salarial, elas ainda enfrentam barreiras como o preconceito e o machismo. Jordana Souza, cofundadora da VOLL, maior agência de viagens corporativas da nova economia, que hoje tem cerca de 60% da equipe, dos mais de 300 colaboradores em todo o Brasil, composta por mulheres, sendo mais da metade dos cargos de liderança também ocupados por elas, conta que teve que driblar diversas situações constrangedoras.
“Uma delas foi em uma reunião de trabalho, um homem com mais idade que eu, fez um comentário sobre meus interesses, dizendo: você gosta de coisas masculinas, não é? É tecnologia, ciclismo…’ Eu logo pensei porque aqueles interesses deveriam se referir a um homem e não a uma mulher? Embora o mercado de trabalho seja muitas vezes hostil, é possível fazer diferente. Um exemplo prático acontece internamente na VOLL. Sou a única cofundadora mulher entre outros três homens e minha voz sempre teve o mesmo espaço e peso nas decisões. Na nossa cultura empresarial, incentivamos as mulheres a se posicionarem, expressarem suas opiniões e ocuparem seus espaços nas suas respectivas áreas de atuação”, comenta.
De acordo com o IBGE, o Brasil tem mais de 9 milhões de mulheres empreendedoras, liderar uma empresa é desafiador, principalmente quando se trabalha em startups, setor majoritariamente masculino. “Já passei por algumas situações de machismo, por lidar com muitas empresas de inovação e tecnologia. No 3º ano da empresa, apresentei recomendações de LGPD a um cliente, na época, eu era uma das poucas pessoas que estudavam a temática de proteção de dados. Um dos sócios me ligou dizendo que não estava seguro e preferia falar com meu sócio, porque precisava de um homem para ter segurança e trazer a validação que ele precisava”, enfatiza Lorena Lage, cofundadora e advogada do escritório de advocacia Lage & Oliveira.
Ainda que o relatório The Ready-Now Leaders da Ong Conference Board mostre que as organizações com pelo menos 30% de mulheres em cargos de liderança têm 12 vezes mais chance de estar entre as 20% melhores em desempenho financeiro, a realidade ainda é diferente.
“O ambiente de investimento ainda é extremamente masculino. É muito difícil encontrar mulheres investidoras. Muitos investidores eram ex-executivos que migraram suas carreiras após atingir determinado patamar, por isso, como temos um número limitado de mulheres na liderança, também teremos pouco espaço no mercado de investimento”, afirma Raissa Florence, cofundadora e diretora de marketing da universidade corporativa Korú.
Os desafios da liderança feminina, quando se trata de assuntos financeiros, são grandes no início de um negócio, como aconteceu com a Paula Mesquita, cofundadora e CEO da Fábrica de Graffiti. “Já recebi um calote de um cliente que zerou o meu caixa, o que me fez voltar a trabalhar em uma empresa ao mesmo tempo que tocava a minha, foi muito complicado. Em outra situação, já reduzi metade do meu salário para não tirar dos colaboradores… deu muito errado até dar certo”, relata.
Para Flávia Oliveira, sócia do escritório de advocacia Paulo Moraes, 100% formado por mulheres, incluindo negras e LGBTQIAPN+, buscar criar redes de contatos foi essencial para o crescimento da sua empresa. “A abordagem que adotei foi focar nos aspectos sólidos do meu negócio, no meu conhecimento e na minha paixão pelo que faço. Também busquei parcerias com organizações que apoiam o empreendedorismo feminino, como o IBRADIM (Instituto brasileiro de direito imobiliário). Mostrar a viabilidade do meu negócio, o meu comprometimento com o sucesso foi fundamental para conquistar investidores”.
O assédio é outro problema enfrentado pelo público feminino. Um mapeamento nacional realizado pela Laudes Foundation, Instituto Locomotiva e Instituto Patrícia Galvão mostrou que 36% das trabalhadoras dizem já haver sofrido preconceito ou abuso por serem mulheres; porém, quando apresentadas a diversas situações, 76% reconhecem já ter passado por um ou mais episódios de violência e assédio no trabalho.
A psicóloga, escritora e mentora de mulheres, Najma Alencar, diz receber muitos relatos a respeito e afirma também já ter vivenciado situações do tipo. “Em uma reunião de trabalho, por exemplo, onde grande parte dos participantes são homens, é extremamente comum eles direcionarem os assuntos para situações que a mulher não compartilha, como se fosse uma associação velada, além de comentários em relação à aparência física da mulher, disfarçada de elogio, mas que constrange e direciona o foco para outras questões, que não a profissional a ser tratada”, relata a especialista.
Gerenciar uma empresa pode ser desafiador e, além disso, a segurança conta na hora de fechar um contrato ou em negociar com os investidores. Apenas 10% das empreendedoras do varejo e serviços se sentem preparadas para lidar com todas as áreas do negócio, é o que mostra a pesquisa “Gestão e Desafios das Mulheres Empreendedoras”, conduzida pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e o Serviços de Proteção ao Crédito (SPC). Por isso, buscar apoio de outras empreendedoras é um caminho para muitas mulheres, como Dany Carvalho, CEO do Órbi Conecta, que atua como parceira do Grupo Mulheres do Brasil, criado em 2013 para engajar a sociedade civil na igualdade de gênero e incentivar o empreendedorismo feminino.
“Sou facilitadora, entre outras iniciativas que participo, de um programa no apoio às mulheres, em parceria com a Rede Mulher Empreendedora, que já capacitou 210 mil brasileiras em habilidades digitais e socioemocionais para que elas criem suas próprias oportunidades econômicas. Para mim, a educação é acesso à informação como ferramenta de mobilidade social, especialmente para as mulheres”, ressalta.
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