Invisibilidade na economia do cuidado começa cedo: 67% das meninas entre 14 e 19 anos realizam trabalhos domésticos
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Invisibilidade na economia do cuidado começa cedo: 67% das meninas entre 14 e 19 anos realizam trabalhos domésticos

Meninas de 14 a 19 anos, em sua maioria negras e moradoras da região Norte do país, estão cada vez mais cedo sendo inseridas na dupla jornada de trabalho: além de terem que trabalhar fora de casa, são responsáveis pelos trabalhos domésticos, que não são remunerados, não são valorizados e vistos como obrigação para as mulheres, já que elas cresceram vendo suas mães, avós e figuras femininas realizando a mesma jornada. 

Os dados levantados pela pesquisa Por Ser Menina, lançada pela Plan International em 2021 e executada pela Tewá 225, evidenciam a importância do tema da redação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) deste ano, que traz para o debate público o problema da invisibilidade da economia do cuidado.

O estudo teve como principal foco a captura da percepção das meninas brasileiras entre 14 e 19 anos, em 10 cidades das 5 regiões do Brasil, com um total de 2.589 meninas respondentes. Deste total, 18,6% das meninas na faixa etária entre 14 e 19 estão trabalhando, sendo que Amazonas e Maranhão são os estados que apresentaram maiores percentuais de meninas que trabalham nas idades entre 14 e 15 anos, com 23,8% e 22,4% respectivamente.

De acordo com os dados, é possível observar o papel central da figura materna no ambiente doméstico e na renda geral da casa. Para as entrevistadas, a mãe é apontada pelas respondentes como principal responsável em todos os aspectos consultados: desde a responsabilidade pela família (63,1%), pelo cuidado no dia a dia (61%), pela contribuição financeira para o sustento da casa (43,8%) e pelas decisões sobre as questões mais relevantes na vida da menina (56,3%).

Esses modelos sociais existentes ainda reforçam desigualdades de gênero e atrapalham o pleno desenvolvimento das meninas. Dentro de casa, elas ainda realizam o dobro de trabalhos domésticos que os meninos (67,2% das meninas contra 31,9% dos meninos), o que valida a tese de que as meninas são precocemente responsabilizadas pelo cuidado com o lar e com as pessoas. Assim, elas têm menos tempo para os estudos, lazer e atividades de desenvolvimento para a vida.

Uma das entrevistadas de 19 anos, moradora de Manaus, resumiu bem a questão geracional da invisibilidade do trabalho doméstico: “Como meus pais são separados é meio isso: a gente pega o papel de segunda mãe. No meu caso fui mais privilegiada porque tinha nossa avó, mas à medida que ela vai envelhecendo eu vou pegando mais esse cargo. É engraçado porque sempre vai tendo uma mulher que vai aparecendo, uma vai substituindo a outra nesse cargo.”

A carga de trabalho doméstico piorou durante a pandemia: 54,6% das meninas disseram que as tarefas aumentaram. Isso se deu tanto pela maior dedicação ao ambiente doméstico quanto pela perda de parentes que assumiam essas funções junto a elas.

O estudo reflete que ser menina no Brasil é carregar desde o nascimento o papel de gênero imposto a elas, pois ainda não protegemos, enquanto sociedade, esse público.

É possível ver que repetimos padrões de forma circular, uma vez que as mães que hoje cobram responsabilidades precoces das meninas, que julgam suas escolhas e batalham por seu sustento, ou ainda, que criam meninos com as mesmas estruturas machistas dos homens que as violentaram/oprimiram, foram ontem meninas que passaram pelas mesmas pressões e violências.

Para quebrar esse ciclo, é preciso pensar e agir em ações para promover a equidade de gênero dentro e fora de casa, permitindo que estas adolescentes, jovens e mulheres possam construir suas vidas com mais dignidade e menos sobrecarga.


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