Há quem diga que o empreendedorismo “está no sangue do brasileiro”. De fato, somos apontados como o quinto país que mais abre negócios no mundo. Porém, os motivos que levam a isso nem sempre são motivo de orgulho e, entre homens e mulheres, são bem distintos. Quase a metade das brasileiras empreendem por necessidade, movidas por urgências que merecem nossa atenção para que possamos ter uma visão mais crítica sobre a inovação no país.
Segundo dados do Sebrae e da GEM, o Brasil é o sétimo país com maior quantidade de mulheres empreendedoras, tendo chegado, no terceiro trimestre de 2022, a 87% do total de mulheres que trabalham por conta própria. Entretanto, em outro levantamento feito pela SumUp, foi identificado que 42% das empreendedoras iniciam essa jornada por necessidade – impulsionadas por motivos além da independência profissional.
A desigualdade de gênero dentro e fora de casa, adicionada ao período de isolamento social, impactou substantivamente a vida das mulheres brasileiras. Enquanto elas já dedicavam, em média, 10,4 horas por semana a mais do que os homens ao cuidado não remunerado (IBGE), também foram elas as principais prejudicadas pela pandemia de Covid-19, representando 71% do total de desempregados entre 2019 e 2020.
Com suas rendas impactadas, dificuldade em se recolocar no mercado e o entendimento predominante de que cabe a elas os cuidados voltados à manutenção do bem-estar e saúde das pessoas dentro de casa, a busca pelo empreendedorismo cresceu não somente como a alternativa possível para obtenção de renda, mas também para a conciliação das responsabilidades domésticas às profissionais.
Os negócios fundados por elas concentraram-se nas áreas da beleza, vestuário, alimentação, bem-estar e educação, o que por si só já reforça papéis de gênero e confirma a influência do cuidado na atuação delas também fora de casa. Soma-se a isso, ainda, levantamentos setoriais que confirmam ser maior o comprometimento relativo das mulheres com a agenda ESG tanto em startups, quanto em conselhos. Ou seja, no caso delas, o cuidado permeia desde a necessidade até a oportunidade.
E, mesmo diante da necessidade de reprodução deste trabalho fundamental para a manutenção do bem-estar das pessoas e do planeta, no Brasil, elas recebem 78,44% menos do que os homens, ocupando cargos iguais e prestando os mesmos serviços do cuidado, de acordo com o relatório Tempo de Cuidar (Oxfam). Se elas já recebiam menos em termos gerais, temos que, quando desempenhando atividades entendidas com tipicamente femininas, em que são maioria, elas recebem menos ainda.
É claro que o empreendedorismo e a possibilidade de trabalhar em casa trazem uma maior flexibilidade para conciliar e desempenhar múltiplas funções, o que é positivo para elas. No entanto, o reconhecimento financeiro inferior ou inexistente de seus trabalhos, somado ao fato de elas buscarem o empreendedorismo não pela independência profissional, mas pela necessidade, impacta a trajetória dos negócios femininos.
A sobrecarga, em conjunto com a urgência, e diante das múltiplas barreiras de entrada, tornam o ato de empreender algo muito mais desafiador e desgastante no caso delas.
É, portanto, urgente desenvolver um olhar mais crítico. Precisamos considerar que, de nada adianta criar políticas públicas de fomento ou iniciativas de incentivo ao empreendedorismo feminino, sem que se leve em conta o que determina e delimita a atuação profissional delas, ou seja, a economia do cuidado.
Enquanto a contribuição do trabalho das mulheres, dentro e fora de casa, não receber o devido reconhecimento financeiro, seus empreendimentos também não serão encarados com a mesma seriedade que o dos homens.
Precisamos urgentemente fazer muito mais para que o empreendedorismo feminino se torne, de fato, motivo de orgulho no país.