Cirurgia plástica deve passar pelo viés da saúde para se diminuir o risco de morte
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Cirurgia plástica deve passar pelo viés da saúde para se diminuir o risco de morte

Nos últimos anos, Brasil e Estados Unidos têm travado batalha acirrada pelo topo do ranking mundial de números de cirurgias plásticas realizadas anualmente. Dados de 2021, da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética, colocavam o nosso país no primeiro lugar, com 1.5 milhões de procedimentos afins.

Faz sentido crer que o número de problemas decorrentes dessas cirurgias também aumente à medida que mais pessoas optam por elas. Como foi o caso recente, divulgado pela mídia, de uma mulher que faleceu em Divinópolis (MG), por conta de complicações relacionadas à uma lipoaspiração. Ainda que nesse
episódio as investigações preliminares apontem a inadequação do local para a realização de tal procedimento, é muito comum vermos notícias semelhantes. Aproveito esse triste caso para propor a seguinte reflexão: será que se a opção por uma cirurgia plástica fosse amparada por uma avaliação mais detalhada ou uma justificativa legítima e necessária, tanto o número de procedimentos, e consequentemente, o de complicações, não cairia consistentemente?

Veja bem: só em Minas Gerais, pelo menos oito mulheres morreram em decorrência de uma cirurgia plástica nos últimos seis anos. Como não há estatística confiável nesse sentido, esse número pode ser ainda maior. Para se ter ideia da complexidade da questão, o dermatologista e pesquisador Érico Pampado Di Santis apontou, na tese de doutorado dele, na Universidade Federal de São Paulo, que 93% das certidões de óbito por lipoaspiração mostram falhas no preenchimento. Em 64% delas, as informações não estão de acordo com padrão determinado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e Ministério da Saúde.

Oras, toda cirurgia tem risco, ainda que ele possa ser significativamente minimizado por médicos competentes, cientes do histórico do paciente, por exames preliminares e por hospitais ou salas cirúrgicas bem equipadas e que vão de encontro às normas de segurança. Não é o caso de demonizar a cirurgia
plástica que pode, sim, melhorar a qualidade de vida, que também passa pela funcionalidade plena do organismo, daqueles que, de fato, precisam dela. O meu alerta é contra a banalização da mesma, que faz com que cada vez mais pessoas sejam expostas ao risco, muitas vezes sem qualquer necessidade.

Curiosamente, há pouco tempo, a apresentadora Xuxa contou, em um podcast, também repercutido pela mídia, que optou, por acaso, nos anos 80, por uma rinoplastia (cirurgia plástica do nariz). Ela, que namorava com Pelé, encontrou no prédio dele um cirurgião plástico, amigo do rei do futebol, que sugeriu a cirurgia.
Xuxa, que até então não tinha pensado em mexer no nariz, foi até o consultório do médico, entrou na fila de espera e fez a cirurgia, assim como quem visita uma concessionária e sai de lá com um carro novo. Pelo que entendi, não houve qualquer cuidado pré-operatório e muito menos orientações adequadas sobre o
procedimento.

Quando falo em critérios legítimos e reais, estou levando a cirurgia plástica para a esfera da saúde. Mental, que seja. É óbvio que quando uma parte do nosso corpo não nos agrada a ponto de provocar estresse, ansiedade, angústia ou depressão, mudando nossos hábitos, como a boa convivência social, afetando a qualidade de vida, algo precisa ser feito. Não é necessário ser psicólogo ou psiquiatra para perceber isso. Basta o cirurgião plástico, com bom senso, captar a infelicidade e a insatisfação humana, analisando o comportamento do paciente e a parte que
esse deseja mudar, com olhos éticos.

Mesmo assim, não se engane: ainda é preciso ficar alerta. Até 3% da população, segundo os estudiosos do assunto, sofrem de dismorfia corporal, que é um transtorno caracterizado pela visão errada do próprio corpo. Há alguns dias, a atriz Megan Fox, quem diria, um ícone da beleza, revelou sofrer desse problema. Pessoas assim olham para o espelho e só observam defeitos. Isso faz com que elas queiram fazer ou refazer cirurgias plásticas, entre outros procedimentos estéticos. Recebo pessoas assim no meu consultório. Mesmo que elas reclamem da minha negativa em atendê-las, nas redes sociais, tenho um compromisso com a ética que faz com que eu mantenha minha posição em não operá-las. Sei que o problema delas passa por cuidados e acompanhamento com um psiquiatra, ou seja, não será resolvido em uma sala cirúrgica.

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