Neste domingo (30), milhões de brasileiros vão às urnas para decidir quem vai governar o país pelos próximos quatro anos. A terceira via mais uma vez não conseguiu emplacar um nome, e o Brasil vive outra disputa presidencial marcada pela polarização — desta vez, até maior do que em 2018. De um lado, o presidente Jair Bolsonaro (PL) tenta a reeleição quatro anos após derrotar o próprio PT contra o então candidato Fernando Haddad. Do outro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) parece ser o único capaz de pôr um ponto final no bolsonarismo, ao liderar as principais pesquisas de intenção de voto. O cenário turbulento tem ditado não só o debate político, como também tem interferido na rotina dos eleitores e dividido pais e filhos, amigos e até casais.
“Nós estamos vivendo no Brasil uma divisão muito forte nesta eleição presidencial. Isso afeta sim os casais que pensam diferente, que defendem um dos lados. Eu penso que é mais do que ideologia, na verdade. Estamos passando por um dos contextos de maior dualidade no país. São duas visões muito diferentes. É uma divisão mais econômica, talvez social, tem questões de costumes também, de religião. Isso tem afetado amigos, membros de famílias, e não seria diferente com um casal. Vai depender de qual a importância que cada parceiro dá a essa preferência eleitoral”, comenta a professora e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), Maria do Socorro Sousa Braga.
"Se essas pessoas pensarem mais profundamente o que pode ser a vida a dois daqui a, sei lá, dez anos, e são pessoas que estão pensando muito diferente, elas começam a ver que de fato não faz sentido continuar junto. Mas se outros casais perceberem que a relação que eles têm é muito mais forte do que propriamente o que vivem hoje os dois segmentos do ponto de vista político, isso não vai afetar tão seriamente a relação", diz.
Você namoraria uma pessoa que apoia o outro candidato?
Os estudantes Isabela Serra (21) e João Donati (19) namoram há sete meses e conseguem lidar bem com as diferenças. Eles se conheceram no ano passado e começaram a se envolver sem que o assunto política fosse mencionado… até as eleições de 2022. "Era uma coisa que não estava em pauta no ano passado. As pessoas não estavam falando de eleição, não estavam falando de Lula e Bolsonaro. Então, eu não sabia que ele apoiava o presidente", diz Isabela, que votará no petista no próximo dia 30. "Eu nunca fui a favor do governo Bolsonaro. Sempre achei ele machista, misógino, miliciano, tudo de ruim [sic]. Sempre falei: 'Nossa, não entendo essas pessoas que apoiam ele, as coisas que ele fala, as coisas que ele faz, as coisas que ele não faz', e aí eu paguei com a minha própria língua".
Mas a estudante garante que o namorado não é cabeça dura e que, de vez em quando, sabe reconhecer os erros do próprio candidato. "Ele não passa pano [acobertar os erros de alguém]. Quando eu mostro para ele o que o Bolsonaro fez ou falou, sobre a pandemia principalmente, ele critica, concorda que não foi uma boa gestão", afirma.
É claro que nem tudo são flores, e às vezes, o casal acaba discutindo por causa de política. "Inclusive, eu falei para ele hoje: 'Eu cansei de falar de política com você, eu não vou mais conversar, porque eu não te acho inteligente para falar sobre isso'. Infelizmente, ele acredita muito nesse negócio de fake news. Eu estudo Comunicação, fake news, para mim, é a pior coisa do mundo".
E quando a opinião política acaba interferindo no relacionamento?
A professora Anny Victória Barreto (25) namorou o contador Lucas Cardoso* (27) por dois anos. O casal se conheceu na época da escola, mas só engatou um romance de fato em 2019. Ao contrário de Isabela e João, o assunto política surgiu logo no primeiro date.
Na ocasião, Anny contou para Lucas que havia brigado com muitas pessoas e desfeito várias amizades nas eleições de 2018, quando fez campanha nas redes sociais para o atual candidato a governador por São Paulo Fernando Haddad. Foi aí que ele disse que havia passado pela mesma situação. Curiosa, a jovem resolveu perguntar em quem o crush havia votado para a disputa presidencial. A resposta? Cabo Daciolo (PDT), no primeiro turno, e Jair Bolsonaro, no segundo…
"Eu acho que nesse momento eu deveria ter sentido. O universo manda sinais", brincou ela. De início, a motivação de Lucas era o ódio ao PT. "Eu fiquei desconfiada, mas até então, era só um presidente que eu não gostava. Não sabia que viria esse monte de atrocidades [sic]. No começo, ele era apenas uma pessoa que votou no Bolsonaro. De repente, ele virou bolsonarista mesmo, concordava com ele, mandava memes, assistia às lives".
As diferenças do casal foram ficando mais evidentes com o tempo. "Uma vez, fomos a um mercado próximo à casa dele e fomos abordados por um morador de rua, pedindo comida. Compramos algumas bolachas para ele e fomos embora cheios de sacolas. Na volta para casa, mais uma pessoa abordou a gente para pedir comida. E era uma travesti. Aí o Lucas começou a gritar: 'O QUE VOCÊ QUER? SAI DAQUI'. Fiquei assustada! Pensei: qual a diferença dessa pessoa para a pessoa que abordou a gente na porta do mercado?", indagou a professora.
Durante a pandemia de Covid-19, tudo ficou pior. Anny Victória perdeu uma pessoa querida para a doença. O tempo entre o diagnóstico e a morte foi de apenas três semanas. "Então, eu fico muito brava quando vejo alguém sendo contra a vacina, falando que a Covid não existe, porque ela morreu por conta disso. Ela estava bem e de repente não estava mais. E o Lucas era contra a vacina, ele negava a existência da Covid, saía sem máscara na rua".
Quando a prefeitura deu início à campanha de vacinação para o público mais jovem, Anny ficou animada para receber as doses do imunizante. "Aí eu tomei a vacina e foi bem naquela época que todo mundo estava postando foto tomando. Só que eu não podia postar porque o meu namorado não podia saber que eu tinha tomado a vacina porque ele era contra", lamenta ela.
"Olhando hoje, eu enxergo que eu não devia ter feito isso [escondido que tomou a vacina]. Não faz o menor sentido. Mas eu era muito apaixonada por ele, a gente queria um futuro juntos. E eu sabia que se eu contasse isso, a gente ia acabar brigando muito. Eu tinha medo de ele terminar comigo porque ele já tinha terminado uma vez por outro motivo e eu fiquei muito mal".
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As divergências políticas não foram exatamente o que motivou o término do casal, mas acabaram influenciando a decisão de Anny. Hoje, ela descarta voltar a se relacionar de novo com alguém que apoia o atual presidente. "Eu sou contra tudo que ele representa. Então, para mim, já não faz mais sentido sequer conhecer uma pessoa e falar: 'Acho que eu posso me interessar por você, mesmo você votando no Bolsonaro, só porque você é legal'", finaliza a professora.
Um em cada sete brasileiros solteiros descartam crush com opinião política diferente
Uma pesquisa realizada pelo aplicativo de namoro happn revelou que 71% dos usuários solteiros dão pouca ou quase nenhuma chance para um relacionamento com uma pessoa que tem uma visão política diferente da deles. "Há dois anos, nossa pesquisa havia mostrado que 76% dos brasileiros estariam abertos a essa possibilidade. Curiosamente, a tendência não é a mesma em 2022. Esta nova estatística destaca a consciência da população e talvez o desejo de evoluir com alguém com as mesmas ideologias", comenta o especialista em relacionamentos da plataforma, Michael Illas.
O levantamento apontou ainda que 36% dos solteiros acreditam que é mais do que necessário que o crush esteja ligado ao assunto e se preocupe com a política brasileira. Além disso, 73% dos entrevistados afirmaram que a política deve ser mencionada no primeiro encontro e que se sentiriam bastante confortáveis se o assunto fosse abordado.
Mas não foi só no caso da Anny que a visão política acabou levando ao término do casal. Quase 10% dos solteiros que usam o happn disseram que já terminaram pelo menos um relacionamento por causa de questões políticas.
Lucas Cardoso*: o nome e a profissão foram alterados para preservar a identidade da fonte